terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Pobre George

Seguindo uma indicação que li na Veja alguns meses atrás, comprei o livro "Pobre George", de Paula Fox, uma escritora americana principalmente de livros infantis, mas que tem alguns bons romances publicados.

"Pobre George" conta a estória de George Mecklin, um professor americano casado, que acaba de mudar-se para fora da cidade grande e que tem sua nova casa invadida por um adolescente delinquente chamado Ernest. O enredo se passa no final da década de 1960 e gira em torno da tentativa de George de transformar Ernest, levando-o de volta aos estudos, mesmo contra a vontade de sua esposa Emma.

Na verdade, o que chama a atenção no livro não é tanto o enredo, mas a forma ácida como a classe média americana da época é retratada. Todos os personagens do livro são disfuncionais de alguma forma, inclusive os coadjuvantes e o clima de depressão, desilusão e abatimento que se percebe ao longo de todo o texto é sufocante.

Não quero dizer com isso que o livro seja ruim. Pelo contrário, é muito bom, mas o leitor deve ir preparado para entrar na vida de uma sociedade que vive em um marasmo completo, sem expectativas ou projetos, em um estado permanente de apatia e solidão. No caso de George, a ajuda a Ernest não é algo altruísta como se pode imaginar - trata-se mais de uma tentativa desesperada de dar algum objetivo mínimo a sua vida; de um modo de ter um "projeto" ao qual se dedicar.

O retrato social que se apresenta vem um pouco de encontro com a percepção pessoal que tenho do modo de vida americano, que não sei se é correto, mas que formei com base em algumas viagens e no consumo de anos obras americanas, sejam livros, filmes ou séries de televisão: a de que certos aspectos que para nós brasileiros são fundamentais, como o convívio familiar, formação de amizades, ou mesmo alguma forma de manifestação de espiritualidade, são secundários ou até insignificantes na cultura americana.

Tome-se o exemplo de qualquer filme ou série de TV: são raros os casos em que o personagem interaja com um parente que não seja sua esposa, filho ou pais. Talvez a maior pulverização do mercado de trabalho nos EUA, que faz com que as famílias se espalhem naturalmente pelo país, tenha boa parcela de responsabilidade neste efeito, mas o fato é que cultura enraizada é a do núcleo familiar dispersar-se bastante cedo, quando comparado ao padrão brasileiro. Quantas vezes em filmes americanos já não foi apresentada como ridícula a situação de pessoas com 20 anos ainda vivendo com seus pais? Aqui, isso é perfeitamente natural.

No caso de "Pobre George", a maior causa do desespero do casal Mecklin é a solidão. George tem apenas uma irmã problemática, desempregada, que vive com o filho na cidade. Seu casamento está em crise. Não tem afinidade com praticamente nenhum de seus colegas de trabalho. Até tenta formar amizades com seus novos vizinhos, em vão. O único relacionamento um pouco mais estreito que consegue estabelecer é com o marginal que entra em sua casa, e que acaba sendo até mais forte do que o que tem com sua própria esposa.

Enfim, "Pobre George" é um pouco deprimente, sim. Dá uma certa angústia ver um personagem de 30 e poucos anos vivendo como se fosse um viúvo idoso abandonado. Por outro lado, o livro faz com que você fique feliz por viver um país onde os relacionamentos são mais calorosos, as amizades são mais verdadeiras e parentes são pessoas que você procura, não de quem você foge. Afinal, se você não tem com quem compartilhar sua vida, ela vale a pena ser vivida?

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

E o Kindle chegou ao Brasil...

Demorou, custou caro, enroscou na alfândega, mas chegou. Recebi esta semana o meu Kindle.

Ele demorou bem mais que o prazo de 3 dias informado pela Amazon, mas é difícil culpá-los pelo atraso. Ocorre que a Receita Federal exige que o CPF do importador esteja indicado na documentação da aduana, mas a Amazon ainda não se tocou deste detalhe e não pergunta o número no momento da compra. O resultado foi que ele chegou ao Brasil em 2 dias e ficou mais uns 7 na alfândega, até a DHL conseguir me localizar, pegar o CPF e complementar a documentação.

De qualquer modo, o que importa é que chegou e é DEMAIS! Vamos ao que interessa:

A tecnologia de exibição de imagem (a tal "digital ink") não tem nada a ver com o que estamos acostumados em termos de telas de computador. Não é um LCD nem LED. Os pixels simplesmente ficam brancos ou pretos, sem iluminação por trás, o que faz com que a sensação seja, realmente, de ler um texto em papel. Além disso, praticamente não reflete a luz, dando para ler mesmo com sol forte, e não consome energia com a exibição da imagem, o que significa que a vida da bateria é bem longa (semanas, até, dependendo do uso). A resolução da tela de 6" é boa e permite a exibição de figuras de forma bastante aceitável. É bem leve e bem fino.

Assim que o Kindle embarcou da Amazon, já estava registrado em meu nome e associado à minha conta e número de cartão de crédito. Foi só carregar a bateria por cerca de 3 horas e ligar para que ele já tivesse acesso à rede Whispernet da Amazon, através de uma conexão 3G de celular. Aqui eu comecei a ver que o Jeff Bezos levou mesmo a sério o princípio de tornar o Kindle o mais "invisível" possível para o usuário: ele não pergunta em qual rede você quer se conectar, ele não cobra nada pela conexão, ele nem pergunta se você quer ligar a antena. Ligou, está conectado. Aí é só clicar um botão para entrar na loja de livros da Amazon e fazer um download.

A compra dos livros é bastante direta: escolha o livro e diga com qual dos seus cartões de crédito, já cadastrados na Amazon, quer pagar. Em menos de um minuto ele já fica disponível.

O Kindle tem ainda algumas funções bem interessantes:

- Text-to-Speech: Se quiser, ele pode ler em voz alta o livro para você. Tanto através de fones de ouvido quanto pelos auto-falantes embutidos;
- Inclui um dicionário Oxford inglês-inglês, bastando colocar o cursor sobre uma palavra para que a definição apareça no rodapé;
- Permite anotações e bookmarks;
- Permite consulta à Wikipedia através da Whispernet (nos EUA também permite navegação web básica, mas aqui a função está bloqueada);
- Caso a memória fique cheia (o que exige um bom investimento em livros para acontecer), você pode arquivar os livros comprados no site da Amazon e baixar novamente quando quiser.

O formato dos livros é proprietário e o Kindle não reconhece PDF e DOC, por exemplo, mas há um serviço de conversão gratuito. Basta enviar um e-mail com o arquivo PDF ou DOC para a Amazon e eles devolvem o arquivo convertido para o formato do Kindle no seu e-mail. Caso você prefira receber direto no Kindle, é cobrada uma taxa.

É possível assinar livros e revistas, mas achei caro. Uma assinatura do "Globo", por exemplo, sai por US$ 15,99 por mês. As edições são enviadas diariamente para o Kindle, através da Whispernet.

Não espere um monte de acessórios e documentação: ele vem peladão, apenas com o cabo USB, um adaptador para tomada e um folhetinho de primeiros passos. A Amazon não manda nem uma capinha, mas existem opções à venda no site. Não comprei, mas deveria ter comprado.

Finalmente, o preço da brincadeira é de US$ 259,00 + US$ 20,98 de Shipping & Handling + US$ 266,32 de impostos. Não tem choro e só vende na Amazon mesmo. Nem adianta procurar no Stand Center.

Os livros, apenas em inglês, são vendidos pelo preço indicado no site sem nenhum acréscimo de impostos. Como exemplo, comprei o "Without remorse" do Tom Clancy por US$ 8,39. Agora é só torcer para nenhum deputado genial resolver inventar uma forma de taxar o negócio para "proteger o mercado nacional"...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O beijo e outras histórias

Há alguns meses eu li um livro chamado "Para ler como um escritor", de Francine Prose. Não vou entrar em detalhes sobre ele agora, mas basicamente o livro apresenta conceitos de escrita através de exemplos de textos de escritores consagrados. Dentre os exemplos usados, aparecem vários textos de Tchekhov, indicado no livro com o um dos melhores escritores de contos da história.

Como nunca tinha lido nada de Tchekhov até então, resolvi comprar uma seleção de contos e adquiri "O beijo e outras histórias", da Editora 34 (tradução de Boris Schaiderman). É um conjunto de seis contos:

- O beijo
- Kastchtanka
- Viérotchka
- Uma crise
- Uma história enfadonha
- Enfermaria n. 6

São sensacionais. Não apenas pelos enredos e pelas personagens, mas pela clareza e pela facilidade com que Tchekhov entra na cabeça das pessoas e descreve com enorme precisão situações e sentimentos, expressando, em palavras, pensamentos que você acreditava serem só seus e apresentando pessoas que você tem certeza de que já conheceu.

Eu estava iniciando a leitura de "Enfermaria n. 6" no dia em que o helicóptero da polícia foi abatido no Rio de Janeiro. Em meio a toda a comoção com a tragédia, quando passa pela cabeça do cidadão o desejo da resposta violenta justificada, eis o que me aparece no texto de Tchekhov: "...E não será ridículo cogitar de justiça, quando toda violência é recebida pela sociedade como uma necessidade razoável e oportuna, e quando todo ato de piedade, por exemplo, uma sentença absolutória, provoca uma verdadeira explosão de sentimento de vingança insatitsfeito?". Faz pensar.

E que estudante universitário nunca encontrou pela frente um Professor Nicolai Stiepânovitch ("Uma história enfadonha"), ao qual precisou pedir uma nota a mais para ser aprovado no curso e recebeu uma resposta do tipo: "- A meu ver, o melhor que tem a fazer agora é deixar de uma vez a Faculdade de Medicina. Se, com a sua capacidade, não consegue passar no exame, provavelmente não tem nem vontade nem vocação para ser médico". Melhor estilo Giacaglia ou Clemente Greco, para quem sabe do que estou falando.

É muito fácil identificar e identificar-se com as personagens de Tchekhov e isso, somado à profundidade das reflexões que apresenta, tornam a leitura extremamente prazerosa e recompensadora.

É também fácil relacionar Tchekhov a Machado de Assis. São praticamente contemporâneos e possuem estilos parecidos, pelo menos para mim, que sou absolutamente leigo em ambos. Acontece que havia lido, ainda no 1o semestre, uma coletânea de Machado ("Melhores Contos"), e não há como não ver, por exemplo, semelhança óbvia entre "O alienista" e a "Enfermaria n. 6", mesmo que não haja possibilidade do texto de Machado, escrito 10 anos antes, ter influenciado Tchekhov (como é afirmado no apêndice).

Tchekhov era médico, muito interessado em psiquiatria, mas igualmente obcecado pela Justiça. Pelo menos uma das obsessões acaba aparecendo em cada conto, o que sempre acaba conferindo-lhes uma dimensão mais profunda e mantendo a atualidade e a relevância dos textos.

Para quem não acredita ser possível encontrar profundidade em contos curtos, que podem ser lidos em uma noite, é a cura. E não é por serem profundos, que os contos são pesados ou difíceis. Repito: nunca tinha lido nada dele, mas a surpresa foi excelente.

OBS - Para um bom texto sobre o "Para ler como um escritor", você pode acessar o blog "Libru Lumen", em: http://www.jefferson.blog.br/2008/05/para-ler-como-um-escritor-de-francine.html

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Nem só de caviar vive o homem

Ambientado na Europa da 2a Guerra Mundial, "Nem só de caviar vive o homem", de Johannes Mario Simmel apresenta a história supostamente verídica de um banqueiro alemão que, vítima de um golpe do sócio, acaba sendo obrigado a trabalhar para os serviços secretos francês, alemão e inglês como forma de manter-se fora da cadeia.

Apesar de não ser excepcional, o livro é muito bom e apresenta uma particularidade interessante: todos os momentos chave e reuniões importantes do enredo dão-se durante refeições preparadas pelo protagonista (Thomas Lieven), que além de banqueiro, tinha uma vocação culinária. As receitas são todas apresentadas no livro em detalhe, mas podem ser democraticamente puladas sem prejuízo do texto.

Vão os pontos que me chamaram atenção e que justificam a leitura:

1 - Um herói alemão em um livro da 2a guerra.
2 - Um espião que não dispara um único tiro.
3 - Receitas no meio de um romance de espionagem (no mínimo, incomum).
4 - Joie de vivre como resposta para encrencas sérias (e não tiros).
5 - Verossimilhança e humor.
6 - E o melhor título que eu me lembro de já ter visto. Com um título desse, dá para não ler?

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Snow Crash

Quando eu li as críticas sobre "Snow Crash" (de Neal Stephenson), no Caderno 2 do Estadão e na Veja, achei que o livro fosse recente. Não é. Foi escrito em 1992. As críticas saíram 17 anos depois porque, só agora, veio o lançamento em português (pelo menos no Brasil).

Em português o livro custa R$ 49,00 (em média) , mas eu comprei em inglês (paperback) por R$ 16,00. Novo. Pelo menos, o lançamento em português serviu para chamar a minha atenção.

Como eu li sem saber que era de 92, achei algumas coisas meio estranhas no começo, mas depois acabei decidindo ignorar esses detalhes e o texto fluiu melhor. Um exemplo de coisas estranhas: apesar da história se passar em um futuro próximo, alguns personagens participaram em eventos como a guerra do Vietnam (ou seja, o camarada já teria que ter uns 100 anos pelo menos).

Outro exemplo: o autor passa um bom tempo descrevendo um ambiente virtual chamado Metaverse, mas quando finalmente termina, você pensa: "Caramba, é só o Second Life melhorado. Porque não disse logo? Será problema de royalties?". Não, mané. É que o livro é de 92.

O herói/protagonista se chama Hiro Protagonist. Sem piada. É entregador de pizzas, hacker e também "the greatest sword fighter in the world". Sem piada. Escrevi em inglês mesmo, porque soa ridículo demais em português (assim como muitas outras coisas no livro, o que deve ser a explicação para terem levado 17 anos para lançar a tradução). Hiro fica sabendo da existência de uma droga virtual que está sendo distribuída no Metaverse e vai atrás para tentar entender como funciona um "barato virtual", mas acaba se envolvendo em uma conspiração envolvendo uma megaempresa de telecom, uma seita pentecostal e traficantes.

O enredo mistura ficção científica, história, religião e filosofia de uma forma que não deixa de ter lá a sua semelhança com Matrix, mas é também totalmente diferente de qualquer outra coisa que eu já tenha lido. É absurdamente criativo, rápido e divertido de ler. Para quem leu Neuromancer, é obrigatório. E é de 92, quando você ainda usava o Gopher, lembra? Se lembra, pode ir comprar o livro já!

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Museo del Prado

O Museu do Prado, em Madrid, tem provavelmente a coleção de pinturas mais impressionante do mundo. Aberto ao público desde 1819, exibe obras de artistas como Velásquez, Rafael, El Greco, Rubens, Goya, Tintoretto e muitos outros.

O museu conta com um site muito bom e bem organizado, com reproduções das principais obras (por volta de 2.000), acompanhadas de textos explicativos. Além disso, apresenta roteiros para visitas de 1, 2 ou 3 horas, que podem também ser usados para ver as obras on-line.

O endereço do site é - www.museodelprado.es.

Vão abaixo os links para algumas das obras mais bacanas e importantes (ok, é uma mistureba brava, mas eu também não sou nenhum especialista):

- Las Meninas, de Velásquez (provavelmente a mais famosa do museu - use a ferramenta de zoom e dê uma olhada no espelho ao fundo) - http://www.museodelprado.es/index.php?id=995&tx_obras[uid]=390&cHash=09f3779343

- Las Majas (vestida e desnuda), de Goya - http://www.museodelprado.es/coleccion/galeria-on-line/galeria-on-line/obra/la-maja-vestida/?no_cache=1 e http://www.museodelprado.es/coleccion/galeria-on-line/galeria-on-line/obra/la-maja-desnuda/?no_cache=1

- Os Fuzilamentos, de Goya - http://www.museodelprado.es/coleccion/galeria-on-line/galeria-on-line/obra/el-3-de-mayo-de-1808-en-madrid-los-fusilamientos-en-la-montana-del-principe-pio/

- O Triunfo da Morte, de Brueghel, o Velho - http://www.museodelprado.es/coleccion/que-ver/2-horas-en-el-museo/obra/el-triunfo-de-la-muerte/

- El Descendimiento de Roger Van der Weyden - http://www.museodelprado.es/coleccion/que-ver/3-horas-en-el-museo/obra/el-descendimiento/

Bom, e tem mais uma infinidade de obras, obviamente. Como o espaço aqui é limitado, a dica é entrar na seção "Qué ver" do site e seguir um dos roteiros sugeridos. Só não deixe de dar uma lida nos textos que acompanham cada obra, pois eles ajudam a ver os quadros de uma forma diferente.

PS - mais uma para encerrar - El Coloso - http://www.museodelprado.es/coleccion/galeria-on-line/galeria-on-line/obra/el-coloso/

O Rei do Inverno, O Inimigo de Deus e Excalibur

"Não seja absurdo, Derfel". A frase dita por Merlin a Derfel, protagonista da trilogia de Bernard Cornwell que forma as Crônicas do Rei Artur, aparece diversas vezes ao longo dos três volumes e parece um lembrete do autor para si mesmo, num esforço para se obrigar a manter o realismo e a verosimilhança do texto.

Eu comprei e li o primeiro livro ("O Rei do Inverno"), sem saber que se tratava de uma trilogia, mas não cometa o mesmo erro: se não for para ler os três, nem comece, pois eles não são independentes. O segundo volume é "O Inimigo de Deus" e o terceiro "Excalibur".

Mas vamos ao que interessa: o trabalho é fantástico. Conta uma possível história de Artur (que na verdade nunca foi rei de coisa nenhuma), ao longo do tumultuado século V, imediatamente anterior à Idade Média. Há um esforço grande em apresentar em detalhes a vida da época, a situação política e principalmente as batalhas contra os invasores saxões, que levaram Artur à condição de grande líder militar da Bretanha.

A narração usa o ponto de vista de Derfel Cadam, um protegido de Merlin que acompanha toda a trajetória de Artur, a princípio como guerreiro de seu exército e posteriormente como líder militar e amigo. Aparecem os diversos nomes conhecidos e esperados, como Guinevere, Lancelot, Tristão, etc., mas sempre em um contexto relevante e com participação importante na trama (aliás, quem nunca topou muito o tal Lancelot, vai se divertir).

Para quem gosta de história é um prato cheio, que descreve uma época muito pouco documentada e com a qual temos muito pouco contato. Para quem apenas quer um bom livro, também. Ou seja, recomendo com entusiasmo, mas vá preparado para levar um bom tempo na leitura dos três volumes e também para gastar uma boa grana, pois cada um gira na faixa de R$ 45,00 (mas valem cada centavo).

sábado, 4 de julho de 2009

Boltzmann e Dilbert

Quem foi que Dilbert não é cultura? Pode ser inútil, mas ainda assim é. Eu assino um serviço que manda diariamente uma tirinha do Dilbert, que de vez em quando traz umas piadas não muito óbvias. Uma delas foi a abaixo:



Ok, ele dá uma prévia, mas o que afinal é a tal "Boltzmann Brain Hypothesis". Talvez você saiba, mas eu não tinha a menor idéia e fui pesquisar...

Ludwig Boltzmann foi um físico e filósofo austríaco nascido em Viena, em 1844. Um de seus principais trabalhos na física foi sua colaboração na formulação da Teoria Cinética, em que utilizou a composição e movimento moleculares dos gases para explicar suas propriedades macroscópicas (como temperatura, volume e pressão). Basicamente, a teoria afirma que a pressão não se deve à repulsão entre as moléculas, mas sim às colisões entre moléculas movendo-se a diferentes velocidades. Uma descrição mais detalhada pode ser vista em:


Mas o que me interessava era o aspecto filosófico do trabalho de Boltzmann, muito relacionado ao seu trabalho na física. Ele formulou o chamado "Paradoxo do Cérebro de Boltzmann". Vamos a ele.

Uma das interpretações da 2a Lei da Termodinâmica, adotada por criacionistas, é a de que entropia do universo sempre aumentaria, levando o universo obrigatoriamente da ordem à desordem. Com base nesse ponto de vista, a pergunta que Boltzmann visava responder era: porque, então, nós observamos um nível tão alto de organização no universo (ou seja, uma entropia tão baixa)?

Boltzmann sugeriu que o mundo de baixa entropia que percebemos é resultado de uma flutuação aleatória em um universo de alta entropia. Haveriam flutuações estocásticas na entropia, mesmo que este universo estivesse próximo do equilíbrio e, dado o imenso tamanho do universo, poderiam haver flutuações grandes (embora extremamente raras), que ocasionariam o nível de organização que percebemos.

O que nos leva ao conceito de Cérebro de Boltzmann: se o nível de organização da realidade que percebemos, em que bilhões de entidades auto-conscientes coexistem, é o simples resultado de uma flutuação aleatória, então é muito mais provável que esta realidade seja na verdade o resultado apenas da existência de um único cérebro auto-consciente, formado do caos, e que cria suas próprias memórias e percepção da realidade. 

Em outras palavras, é infinitamente maior a probabilidade de surgir uma única entidade auto-consciente a partir do caos do que as bilhões que percebemos. Ou seja, você não existe e eu estou escrevendo isso à toa, em vez de tomar minha cervejinha imaginária.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Trindade

Livros bons são difíceis de largar acabam sendo um problema: eu acabo dormindo menos do que deveria por vários dias. Quando o livro tem mais de 700 páginas, então, ele se torna um GRANDE problema.

É o caso de "Trindade", do Leon Uris (1976). O livro conta a história de dois amigos (Conor Larkin e Seamus O'Neal), nascidos no pequeno povoado de Ballyutogue, no norte da Irlanda. As vidas de ambos são narradas da segunda metade do século XIX até 1916, a partir do ponto de vista de Seamus, tendo como cenário a região do Ulster irlandês e como foco a questão da autonomia irlandesa.

Alternando fatos históricos com uma trama fictícia bem montada, o livro é extremamente interessante para quem quer conhecer um pouco da história da Irlanda e entender as disputas entre católicos e protestantes na região. A riqueza de detalhes e a profundidade dos personagens é grande, levando o leitor a ficar frenquentemente sem saber onde acaba a ficção e começam os fatos históricos (mas nada que uma boa consulta à Wikipedia não resolva).

Além de "Trindade", posso recomendar como muito boas outras duas obras de Leon Uris: "Exodus" e "O Peregrino" ("The Haj"). O primeiro livro é focado na formação do Estado de Israel e o segundo voltado mais ao lado árabe da questão. Ambos seguem a mesma linha de mescla entre fatos históricos e ficção vista em "Trindade" e têm o seu valor para quem quer entender a questão israelense. Li ainda "Um Deus em Ruínas" - este é inferior aos demais e não tem a carga de história e geografia que fazem a diferença nos textos de Leon Uris, mas ainda sim é um bom livro. Vou tentar falar um pouco mais sobre estas outras obras em breve.

PS - "Trindade" teve uma sequência ("Redemption"), que ainda não li, mas que vou procurar também.

domingo, 24 de maio de 2009

O Menino do Pijama Listrado

Ganhei a minha cópia do "Menino do Pijama Listrado", de John Boyne no Natal de 2007. Coloquei o livro (bem pequeno, por sinal), na mala e fui passar uns dias na praia. Bom, dois dias depois o livro estava terminado e emprestado, só voltando para a minha estante um ano e meio depois, tendo sido lido por mais de 15 pessoas da família e amigos.

O texto é rápido de ler, inteligente, surpreendente e muito, muito bom. Não vou dizer nada aqui sobre o enredo. Se você, como aconteceu comigo, não souber nada, mas nada mesmo sobre a história, é o ideal. Não pesquise mais nada sobre ele. Não leia crítica, não olhe na Wikipedia, apenas compre e leia (eu vi hoje para vender na Cultura por R$ 16,00, com rating de 5 estrelas).

Foi feita uma versão para o cinema em 2008, que eu ainda não assisti, mas que pretendo ver em breve. Recomendo fortemente aos preguiçosos que o livro seja lido antes.

Na mesma linha, para quem gostar do livro, há um bem inferior, mas também interessante, chamado "O Estranho Caso do Cachorro Morto", de Mark Haddon. Espero escrever sobre ele em breve, mas fica a dica. Se você já leu, desculpe. Eu acabei de estragar parte da graça do "Pijama"...

sábado, 16 de maio de 2009

O Fio da Navalha

Existem livros descartáveis, que você lê e esquece. Existem livros bons, dos quais você sempre vai se lembrar. E existem aqueles poucos e raros que fazem com que você queira lê-los uma segunda vez.

No meu caso, o único livro que li (até hoje, pelo menos), e que me fez abrir mão do tempo que poderia usar lendo algo novo para relê-lo, foi "O Fio da Navalha" de Sommerset Maughan, publicado em 1944.

O meu primeiro contato com o livro aconteceu por volta de 1997, por indicação de meu chefe na época. Eu li uma cópia emprestada e gostei, mas aos 23 anos as coisas ainda são um pouco simples demais. Aos 34 eu resolvi comprar meu volume e ler novamente - desta vez, achei fantástico.

A obra é um romance, contado sob o ponto de vista do autor, sobre a vida de alguns amigos americanos que conhece ainda jovem e com quem tem contatos esporádicos. O centro está em Larry Darrel, um garoto relativamente "normal" que tem sua vida alterada por um episódio traumático durante a 2a Guerra, em que lutou como piloto.

A partir do episódio, Larry passa a dedicar-se exclusivamente à busca de um significado maior para sua existência, inicialmente nos livros e posteriormente por caminhos mais espirituais. A busca transcedental leva-o de Paris para minas de carvão em Lens, para a Alemanha e para a Índia, mas os contatos com o narrador são bastante espaçados e breves.

Entre esses contatos, o narrador se fixa sobre o círculo de amizades em comum com Larry, que incluem sua amiga Sophie, sua antiga paixão (Isabel), seu marido (Gray) e seu tio pseudo-aristocrata (Elliot), um contraponto ao próprio Larry. A evolução desses personagens ao longo do texto e a influência que cada aparição de Larry exerce sobre eles, bem como suas opiniões sobre o amigo são a forma usada por Maugham para apresentar a própria transformação do protagonista.

O livro teve duas adaptações para o cinema: uma em 1967 e uma em 1984, mas ainda não assisti a nenhuma delas. Na verdade, não sei nem se me interessa assisti-las. Para mim "O Fio da Navalha" é ótimo do jeito que está e provavelmente, por melhor que sejam os filmes, seriam uma decepção. Prefiro economizar o tempo e usá-lo para lê-lo uma terceira vez. Daqui a uns 10 anos, possivelmente...

sábado, 9 de maio de 2009

O Investidor Inteligente

Estou lendo "O Investidor Inteligente", de Bejnamin Graham. Depois de ler alguns livros recentes sobre investimentos em bolsa, é bacana pegar um livro mais antigo como esse. O autor foi muito atuante no mercado de capitais décadas atrás e tem no seu currículo a credencial de ter sido professor e mentor de Warren Buffet.

Em linhas gerais, o livro é focado em investimentos de longo prazo, seja em títulos do governo, fundos ou mercado de capitais.  Não se trata de um livro sobre especulação em bolsa, de modo que se você estiver procurando tópicos de análise gráfica, por exemplo, esqueça.

Entretanto, se seu objetivo é fazer investimentos visando aposentadoria e quer diversificar as aplicações entre renda fixa e variável, ele é bastante esclarecedor e tem insights muito interessantes. A leitura é pesada, mas vale a pena.

Uma das pérolas que achei no texto foi uma afirmação de Graham sobre ser extremamente cético com relação à capacidade do investidor médio e não profissional de ganhar do mercado no longo prazo. O que significa? Que em sua opinião, se você montar sua própria carteira de ações, é altamente improvável ganhar mais do que o Ibovespa após alguns anos. Graham inclusive afirma que, num mundo ideal, se fosse possível aplicar em um fundo que replicasse fielmente em sua composição a composição de um índice de bolsa, esta seria a melhor aplicação em renda variável para o longo prazo para o investidor médio (não profissional) e mesmo para alguns profissionais por aí...  

Apesar de ser publicado no Brasil com o apoio da Bovespa, o texto vai muito além do mercado de capitais, incluindo tópicos sobre títulos de dívida, títulos do governo e mais uma série de aplicações. Em muitos casos refere-se ao mercado americano especificamente, mas no geral os conceitos podem ser trazidos para nossa realidade sem muita complicação. Inclui revisões feitas pelo próprio autor e comentários sobre os capítulos feitos por especialistas no assunto. Gostei muito e recomendo. 

Em tempo: os tais fundos que replicam índices da bolsa, que não existiam na época da redação do livro, já existem hoje. O mais conhecido por aqui é o PIBB (PIBB11), criado pelo BNDES e que replica o IBRX50, mas já existem também outros como o BOVA11 (iShares), que acompanha o IBOVESPA. Para saber mais sobre estes fundos, pesquise sobre o termo ETF (Exchange Traded Funds) no site da Bovespa - www.bovespa.com.br.
 
Para saber mais sobre a compra de títulos do governo por pessoas físicas é só acessar o site do Tesouro Direto: www.tesourodireto.gov.br.

sábado, 2 de maio de 2009

Reconhecimento de Padrões

É interessante como a qualidade de livros de um mesmo autor varia tanto ao longo do tempo. Nem sempre para melhor.

Acabei de ler "Reconhecimento de Padrões" de William Gibson. Não é ruim. Mas também não chega perto de "Neuromancer", que acho ser um dos bons que já li. 

Em "Neuromancer", de 1984, Gibson criou um universo futurista complexo, em que não só previu o advento da Internet como também visualizou com incrível clareza uma infinidade de conceitos como firewalls, hackers e outros, lançando as bases do gênero cyberpunk. Mas o núcleo do livro é mais profundo. Aborda principalmente integilência artifical e tem sucesso em fazer pensar, enquanto consegue manter uma trama movimentada, interessante e convincente. 

Já em "Reconhecimento de Padrões" não vemos nada de revolucionário ou mesmo inovador, como em "Neuromancer". É um livro mediano, em que em algumas situações exigem uma dose de boa vontade do leitor para digerir questões como a doença da protagonista (uma "alergia" a logotipos e marcas registradas ?!?), que apesar de ser muito pouco verossímil, é fundamental na trama. Ou seja, a obra tem algumas premissas muito fracas. Dá para ler, mas...

Enfim, se você quer ler algo de Gibson, procure "Neuromancer". Só depois, eventualmente, "Reconhecimento de Padrões". Se inverter a ordem, corre o risco de mandar um grande autor para a geladeira.

Para conhecer mais sobre as obras de William Gibson, o seu verbete na Wikipedia está bem completo:

Welcome

Havia um clichê, muito repetido nos anos 90: "a Internet é como um livro em que cada um pode escrever uma página".

Eu sempre gostei mais de uma outra versão, que li não sei onde: "a Internet é como um muro em que cada um grafita um pedaço.

Esse blog não tem maiores pretensões do que ser o meu canto da parede. A idéia é apenas registrar as minhas impressões sobre assuntos que considero interessantes, como livros, música, filmes, notícias e outros - a princípio, para mim mesmo e para o Léo, quando ele crescer.

Se for relevante para alguém mais, tanto melhor. Seja bem-vindo. E fique livre para opinar e comentar o que quiser também.