sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

On love

Ter um filho traz sensações novas para qualquer pessoa, muitas boas e algumas um pouco inquietantes. Na linha das inquietantes há uma que me preocupa de tempos em tempos e que é a razão principal da existência deste blog: o risco de que eu venha a faltar e não esteja presente para acompanhar o crescimento do Leo.
É um pensamento sombrio, eu sei. Especialmente para hoje, mas vamos a ele.

Não me preocupa o “dinheiro para os estudos”, ou a sua formação moral, por exemplo, pois isso eu tenho certeza que a mãe dele pode proporcionar com extrema competência. O que inquieta é a possibilidade de não conseguir jogar alguma luz e dar minhas opiniões em alguns aspectos fundamentais da vida, como estudos, carreira, amizades, religião, felicidade, amor, etc.

São tópicos extensos, densos e complexos, bem mais adequados a um debate do que a um texto curto, mas esta é a ferramenta que existe para se conversar com o adulto futuro de uma criança de quatro anos, então vai ter que servir. Também não são temas que sejam fáceis de analisar e resumir sozinho, de modo que vou tomar a liberdade de usar algumas reflexões e ideias de boas fontes para me ajudar aqui.

Hoje eu quero escrever um pouco sobre o amor e para isso vou pedir licença ao Sr. Mark Rowlands para usar muito conteúdo de um livro seu que o Leo dificilmente irá ler, pois não fará mais sentido quando ele crescer: “Tudo que sei, aprendi com a TV”. Assim como no caso de “O Filósofo e o Lobo”, que mencionei alguns posts atrás, é um título que não me atrai nada, mas que esconde uma obra muito boa (pelo visto, esta é uma maldição que assombra o Sr. Rowlands).

É um livro de filosofia que utiliza personagens e situações de séries de TV americanas como exemplos para explicar e clarificar conceitos filosóficos, o que funciona extraordinariamente bem, mesmo que você só tenha visto alguns episódios de algumas delas. No caso do amor, por exemplo, ele usa “Friends”. Tem uma abordagem muito interessante, que vou tentar resumir aqui sem recorrer à série, já que será irrelevante daqui a uns 20 anos.

Uma das abordagens recorrentes para o amor é a da filosofia grega, em que o sentimento poderia ser dividido entre três naturezas diferentes:

- Eros – o amor “erótico” (mas não no sentido atual da palavra), apaixonado, intenso e imediato, do tipo que explica a atração entre os sexos;

- Philia – o amor “fraterno”, do tipo que mantém a união entre as famílias e amigos;

- Ágape – o amor perfeito, de Deus para com a humanidade.

O conceito de Eros foi desenvolvido por Platão. Inicialmente cabe lembrar que, para ele, o mundo que percebemos seria apenas um reflexo, uma imitação de um mundo puro, eterno e imutável, a que chamou de Mundo das Ideias (ou das Formas), onde existiria a forma mais alta e perfeita de beleza: o “belo”.

Para Platão, o Eros refletiria um desejo universal, incessante e transcendental de busca deste “belo” perfeito, do qual teríamos apenas uma vaga noção. O amor erótico, portanto, seria um reflexo do grau de proximidade da perfeição do “belo” ideal que uma pessoa percebe em outra. O Eros se manifestaria, por exemplo, sob a forma de um “amor à primeira vista” e de um intenso desejo que todos certamente experimentam algumas vezes na vida.

Ora, há pelo menos três questões importantes que devem ser levantadas sobre relacionamentos baseados exclusivamente sobre o Eros. A primeira é o que o Eros nunca será um amor correspondido na mesma intensidade, pois o grau de percepção da proximidade à perfeição do “belo” será diferente de uma pessoa para outra.

A segunda questão é que sempre há o risco de aparecer uma terceira pessoa que se aproxime mais do “belo”. O que acontece com o relacionamento neste caso? Vai para o ralo, da mesma forma que acontece quando um “amor verdadeiro” do Nelson Rodrigues acaba quando surge alguém mais rico.

Finalmente, o que acontece como Eros quando a pessoa amada envelhece e passa a se distanciar cada vez mais do “belo”?

Claramente se percebe que o amor baseado no Eros é transitório e efêmero, não sendo lá a melhor base possível para um relacionamento de longo prazo que pretenda ser bem sucedido, mas você conhece alguns casais que se formaram com base no Eros, não é?

Vamos dar agora uma derivada e nos afastar da visão filosófica grega do amor. Nenhuma das três naturezas acima explica, por exemplo, a tal percepção de que “os opostos se atraem”. De onde surgiu esta noção? Todos também conhecemos casais que se enquadram nesta categoria e que não podem ser explicados pelo Eros (entenda esta frase como quiser).

Para esses casos existe a abordagem de Schopenhauer, que foi um filósofo alemão do século XIX. Para ele nós todos seríamos movidos por um impulso inconsciente chamado de “força de vida” que governaria nossas ações sem que percebêssemos com o objetivo perpetuar a vida. Uma das tendências geradas por esta “força de vida” seria a de buscar um parceiro que corrigisse nossas falhas conscientes ou inconscientes: uma pessoa tímida seria atraída por uma extrovertida, uma excessivamente racional seria atraída por uma emotiva e assim por diante. Atração de opostos.

Tudo bem. É um conceito interessante e pode explicar o impulso, mas é algo que se deva buscar conscientemente em um relacionamento? Pode ser bom para ter filhos “melhores” e ajudar a evoluir a espécie, mas não acho muito boa a ideia de convivência cotidiana com uma pessoa com características ou interesses diametralmente opostos aos seus. Na verdade, vejo como uma receita clara para o inferno. Novamente, todos nós conhecemos casais assim.

O que seria então a forma de amor a ser buscada? Na opinião de Rowlands (e eu concordo com ela, do contrário não a estaria apresentando aqui), o amor estável que forma os relacionamentos de longo prazo bem sucedidos é na realidade o Philia, embora com uma pitada do Eros.

Philia envolve um apreço mútuo entre as pessoas, correspondido e leal, em que um indivíduo busca o bem do outro e vice-versa. O conceito de Philia foi desenvolvido por Aristóteles e ele apresentou algumas das coisas que se deve buscar para uma base sólida para o Philia: uma pessoa que compartilhe de nossas disposições, que não guarde rancor, que busque os mesmos objetivos, que seja ponderada, justa e nos admire na mesma proporção com que a admiramos.

O Philia não pode emanar de pessoas briguentas, agressivas, fofoqueiras, injustas e assim por diante. Ou seja, boas pessoas serão bons amigos, namorados ou cônjuges e pessoas ruins, não. Simples assim. E se uma pessoa boa também for bonita, melhor ainda. Afinal, ninguém é de ferro...

É uma visão interessante e coerente e até o momento foi a melhor que encontrei. É óbvio que o amor é um sentimento impossível de se controlar, mas ouvindo o que alguns grandes pensadores têm a dizer a respeito, acredite que fique mais fácil compreendê-lo e talvez até direcioná-lo de uma forma melhor e para quem realmente mereça.

OBS - se você se interessar por ler sobre a abordagem filosófica do amor, veja: