quinta-feira, 16 de junho de 2011

14 de junho de 2011

Você foi embora.

Com você foram embora os cafés-da-manhã de sábado depois do barbeiro.

Você foi embora.

Foram embora as histórias de como eu era quando era pequeno e, com elas, um pedacinho da minha infância.

Você foi embora.

Acabaram-se os bombons na patinha.

Você foi embora.

E ninguém nunca vai descobrir a receita da torta de frango. Não que eu goste de torta de frango, mas era famosa.

Você foi embora.

Para quem eu vou telefonar para escutar reclamações de que eu nunca ligo?

Você foi embora.

E foi sem que eu pudesse lhe dar a última coisa que me pediu. Agora, a única coisa que posso fazer, é colocá-la aqui, em vez de sobre o piano, onde você certamente a colocaria:



Você foi embora.

E ele chorou. E a última coisa que disse antes de dormir neste dia triste foi:
- Mas eu gostava dela. Porque ela não se despediu de mim?

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Retrato de Dorian Gray

Existem muitos escritores bons, existem alguns muito bons, mas existem alguns poucos que escrevem verdadeiras obras de arte. Depois de ler "O Retrato de Dorian Gray" eu passei a considerar Oscar Wilde realmente digno desta última categoria.

O livro conta a estória, já bem conhecida, de um jovem aristocrata inglês (Dorian Gray), dono de uma "beleza extraordinária", que tem seu retrato pintado por um amigo (Basil Hallward). Ao ver a obra pronta e dar-se conta de que ela imortaliza uma beleza que está condenada a decair e desaparecer, Dorian se desespera:

"Se fosse o contrário! Se eu pudesse ser sempre moço, se o quadro envelhecesse!... Por isso, por esse milagre eu daria tudo! Sim, não há no mundo o que eu não estivesse pronto a dar em troca. Daria até a alma!"
 
Ocorre que o desejo de Dorian se realiza e o quadro passa não só a envelhecer, como a refletir toda a sua personalidade, enquanto o seu próprio rosto permanece inalterado ao longo dos anos. Torna-se, por assim dizer, um espelho de sua alma.
 
A fixação de Dorian com a beleza tem origem na influência de um amigo de Basil, Lord Henry Wotton, que é de longe o personagem mais interessante do livro: também aristocrata, mas extremamente cínico e que sente imenso prazer em manipular a personalidade de Dorian, trazendo-o para a sua própria filosofia hedonista de vida.

Lord Henry é responsável por uma série extraordinária de aforismos e é nas cenas em que ele debate onde a genialidade de Oscar Wilde fica evidente. Fiz uma pequena coletânea de alguns dos melhores insights de Lord Henry ao longo do texto, para exemplificar e aguçar a curiosidade pelo livro:

- Sobre beleza e inteligência: "There is a fatality about all physical and intellectual distinction (...). It is better not to be different from one's fellows. The ugly and the stupid have the best of it in this world. They can sit at their ease and gape at the play. If they know nothing of victory, they are at least spared the knowledge of defeat."  

- Amizades: "I choose my friends for their good looks, my acquaintances for their good characters, and my enemies for their good intellects."

- Influências: "There is no such thing as a good influence (...). All influence is immoral - immoral from the scientific point of view"
- Empatia: "I can sympathize with everything, except suffering."

- Humanidade: "Humanity takes itself too seriously. It is the world's original sin. If the caveman had known how to laugh, history would have been different."
- Valores: "Nowadays people know the price of everything, and the value of nothing".

- Casamento: "Men marry because they are tired; women, because they are curious: both are disappointed."

- Pais e filhos: "Children begin by loving their parents; as they grow older they judge them; sometimes they forgive them."

- Bondade: "When we are happy, we are always good, but when we are good, we are not always happy."

- Pecados: "For all sins, as theologians weary not of reminding us, are sins of disobedience. When that high spirit, that morning star of evil, fell from heaven, it was as a rebel that he fell".

O segundo esporte preferido de Lord Henry é justamente a elaboração destes pensamentos; criar aforismos a partir de praticamente nada. Como explicado em uma passagem: "He played with the idea and grew wilful; tossed it in the air and transformed it; let it escape and recaptured it; made it iridescent with fancy and winged it with paradox."

O primeiro, entretanto, é ver como os seus pensamentos influenciam, manipulam e mudam as pessoas; como eles tocam "notas nunca antes tocadas" no interior de seus interlocutores e como estes acabam por interiorizá-los e aceitá-los como verdades absolutas sobre a vida. Mas sua obra prima é justamente a deformação da personalidade de Dorian Gray, que vamos acompanhando página por página.

Enfim, o livro é realmente fantástico. Foram poucas as vezes em que peguei algo tão bom para ler. Na minha humilde opinião, o Sr. Wilde merece, sim, sua fama e seu lugar entre os maiores escritores da língua inglesa.

OBS: A filosofia hedonista e de culto à beleza que Dorian Gray acaba rapidamente por adotar, lembra muito o modelo de vida apresentado por "A" na obra Either/Or do filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (http://en.wikipedia.org/wiki/Either/Or). Na verdade, em algumas passagens, como no episódio de Sybil Vane, ou nas descrições de sua busca incessante por novas sensações, a semelhança é notável. Encontrei um artigo interessante sobre esta abordagem em:
 http://revistaliter.dominiotemporario.com/doc/Literatura_e_filosofia_Jacqueline_e_JassonREVISADO-1.pdf.

Em tempo: a maldição do pobre Dorian Gray permanece até hoje. Algum gênio do cinema resolveu incluí-lo com o "imortal" de "A Liga Extraordinária", uma das maiores bobagens que Sean Connery já fez, interpretado por Stuart Townsend.