sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sobre leis, liberdade e escolhas

Na semana passada, posts de Facebook de três amigos meus protestavam inflamadamente contra três leis diferentes: o primeiro reclamava da inspeção veicular obrigatória, uma das várias penitências que temos que pagar pela audácia de querer morar em São Paulo; o segundo cornetava contra as blitze da Lei Seca e a nova regra de tolerância zero a qualquer teor de álcool no sangue de motoristas; já o terceiro contestava o fim da distribuição de sacolas descartáveis nos supermercados. 


Não quero entrar no mérito de cada discussão, mas sim na doença da qual as três discussões são sintomas: a quantidade absurda e cada vez maior de regras a que estamos nos sujeitando. Tudo agora é motivo para uma regra ou uma lei. Da prefeitura que não me deixa andar com meu carro às terças-feiras à escola do meu filho que insiste em querer me obrigar a atravessar a rua na faixa, todo mundo quer dar um pitaco na minha vida – mesmo quem não tem nada com ela. 


Tem regra pra tudo: preciso ver se um tal de “mesmo” se encontra no andar antes de entrar no elevador; não posso mandar biscoito recheado no lanche do Leo; não posso jogar bingo; não posso andar com um carrinho de bebê na escada rolante; não posso estacionar na rua do lado direito nos dias pares e no esquerdo nos dias ímpares (menção honrosa a Barueri pela criatividade); não posso, não posso, não posso... 


É fato que a vida em sociedade exige algumas regras e que temos mesmo que ceder algumas liberdades pelo benefício incontestável de participar dela, mas o que foi que aconteceu com a visão de interferência mínima do Estado na vida das pessoas? O que foi feito de John Stuart Mill e sua defesa de que “os indivíduos deveriam ter o direito de conduzir suas próprias experiências de vida livres da interferência do Estado, conquanto que, no processo, ninguém fosse prejudicado”? Estamos hoje sujeitos a um Estado que considera os seus eleitores uma massa ignorante e incapaz de decidir por si, e que se sente na obrigação de “nos proteger”. Exemplo claro é o FGTS, nada mais que o governo trancando nosso próprio dinheiro em um cofrinho ao qual não temos acesso, mas para o “nosso próprio bem”, já que somos burros e incompetentes e não sabemos cuidar do nosso dinheiro. Como se o governo fosse esperto e competente... 


Mas uma coisa são leis de que não temos como fugir e outra são regras a que nos submetemos por vontade própria. Quer um exemplo? Vale mesmo a pena aceitar se submeter a (mais) um caminhão de normas e taxas pelo benefício discutível de morar em um condomínio? A resposta que eu mais recebo é que as pessoas moram em condomínios por medo. Medo da possibilidade de um dia talvez, quem sabe, serem assaltados se morarem em uma casa. Mas isso não é baixar a cabeça e ceder mais um pouco da sua liberdade, desta vez para um marginal imaginário? Ou pior, baixar a cabeça e aceitar uma paranóia que ajuda a alimentar um boom irracional de especulação imobiliária que se alastra pelo país e engorda construtoras e incorporadoras de grotescos pombais? 


Outro exemplo são os planos de previdência. As pessoas se submetem a regras e taxas esdrúxulas por medo de serem incompetentes para gerir seu futuro financeiro. Mas o que é mais perigoso? Ter a liberdade e a responsabilidade de decidir como investir e quando gastar seu próprio dinheiro, ou confiá-lo a um banqueiro que irá sentar em cima dele, comer uma parte e lhe devolver o que sobrou daqui a trinta anos (isso se o banco ainda existir)? 


Existem outros inúmeros exemplos de casos em que as pessoas se submetem a regras e trocam suas liberdades por medo: pessoas que casam por medo da solidão, empreendedores que preferem trabalhar como empregados apenas por duvidar de sua própria capacidade, turistas que viajam em excursões engessadas por medo de não conseguirem se comunicar em outros países, etc. 


Medo é uma coisa muito, muito complicada. Vejamos o que diz “The Boss” Bruce Springsteen a respeito em seu ótimo, mas excepcionalmente depressivo disco “Devils and Dust”: 


“I got God on my side 
I’m just trying to survive
What if what you do to survive 
Kills the things you love 
Fear’s a powerful thing 
It can turn your heart black you can trust 
It’ll take your God filled soul 
And fill it with devils and dust” 


Medo é um inimigo mortal de nossa liberdade. É claro que medo das coisas certas é algo bastante saudável, mas ter medo de decidir o que é melhor para você e ir aos poucos trocando a sua liberdade por medos difusos de qualquer tipo me parece uma bela receita para a infelicidade e a tragédia. Nossos amigos do Pink Floyd também têm muito a dizer a respeito em “Wish you were here”: 


“Did they get you to trade 
Your heroes for ghosts? 
Hot ashes for trees? 
Hot air for a cool breeze? 
Cold comfort for change? 
Did you exchange 
A walk on part in the war 
For a lead role in a cage?” 


Enfim, existe regras às quais temos que nos submeter, concordemos ou não, mas existem outras que escolhemos obedecer, muitas vezes levados por algum medo. É fundamental, entretanto, manter em perspectiva a troca que estamos fazendo e a razão pela qual a estamos fazendo. A cada nova regrinha, um pouco de nossa liberdade e de nossa capacidade de decidir por nós mesmos se vai, transferida para poderes ou pessoas com as suas próprias agendas. É óbvio que, quando consultados, todos sempre iremos preferir manter nossa liberdade nos patamares mais altos possíveis, mas nem sempre enxergamos os momentos em que a estamos trocando por pequenos confortos ou supostas seguranças. E existe por aí muita gente muito competente em ganhar dinheiro com isso.



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Voltando de férias

Caramba. Meu post anterior é de dois meses atrás. Não por causa de preguiça. Nem da tal "falta de tempo", afinal, como já escrevi aqui, tempo é a única coisa desse mundo que é democraticamente igual para todos (muito embora o uso de cada um seja bem diferente...).

A culpa fica com a falta de assunto, mesmo. Então, para encher uma linguiça enquanto a inspiração continua de férias, quero fazer dois comentários rápidos: um sobre "Se eu fechar meus olhos agora" de Edney Silvestre e um sobre "Scifi = Scifilo" de Mark Rowlands.




O primeiro, "Se eu fechar meus olhos agora" é um livro que todo mundo já viu à venda em qualquer livraria. Foi escrito pelo repórter da Globo Edney Silvestre (é aquele cara que você viu no JN em janeiro, cobrindo o desabamento dos prédios no Rio), e ganhou o prêmio Jabuti (não tinham um nome melhor, não?) de melhor romance de 2010 e o Prêmio São Paulo de Literatura para melhor autor estreante de 2010.

Gira sobre o assassinato de uma mulher numa cidade do interior fluminense na década de 60 e a investigação de dois garotos de colégio que encontram o corpo. É muito bom, embora em alguns momentos a trama fique um pouco confusa (aparecem personagens demais e por trechos muito curtos, o que faz com que você tenha que voltar as páginas algumas vezes para se lembrar de quem é mesmo que ele está falando), mas é muito bom e rápido de ler. Deixa com vontade de comprar o livro novo do cidadão.

O segundo, "Sci-fi = Scifilo" segue a tradição do Sr. Mark Rowlands de títulos imbecis para seus livros, mesmo quando se trata do título original em inglês, "The philosopher at the end of the universe". Como eu tinha gostado de outros dois livros dele ("O Filósofo e o Lobo" e "Tudo que eu sei, aprendi com a TV"), revirei livrarias e a internet até encontrar uma cópia (o que me deu um trabalho considerável) e li inteiro (o que deu uma raiva considerável).



Não me entenda mal. O livro é mediano e até interessante - trata-se de uma introdução à filosofia fazendo uso de filmes de ficção científica, mas foi escrito antes, é bem inferior aos outros dois e a revisão da editora Relume Dumará (ah, sacou porque eu não achava em lugar nenhum?), é um lixo completo. Começa até bem, mas nos últimos capítulos passa a sensação de que mandaram embora o revisor e desligaram a correção ortográfica do Word. É uma festa de palavras sem acentos, "s" faltando e erros de concordância que irritam bastante. Além disso, o Sr. Rowlands exagera um pouco nas piadas infames, o que ele mesmo reconhece nos agradecimentos.

Enfim, é um tanto quanto dispensável. Se for para ler algo dele, fique com "O Filósofo e o Lobo"e não perca seu tempo com esse.

E falando em tempo, se alguém conseguir pensar em outra coisa que seja exatamente igual para todo mundo, favor me informar - até agora não encontrei.