sábado, 21 de abril de 2012

Liberdade

Quando você vê um livro com o comentário "O livro do ano, e do século (The Guardian)" na capa, fica meio desconfiado. Mas como tinha lido uns bons comentários sobre "Liberdade" de Jonathan Franzen e como era de uma boa editora, resolvi comprar.

Tudo bem, o comentário da capa é meio exagerado, mas é muito bom mesmo.

É um romance que conta a biografia de uma família americana bem disfuncional, com mãe dona de casa e ex-atleta (Patty), pai eco-ativista profissional (Walter), filho republicano (Joey) e filha democrata (Jessica). O ponto de vista da estória e a forma do texto vão mudando de capítulo para capítulo, focando hora na visão dos vizinhos, hora na do pai, hora numa autobiografia escrita pela mãe, hora no filho e em parte na visão do amigo roqueiro depressivo dos pais (Richard Katz).

Funciona como um retrato de vários aspectos da sociedade americana e aborda temas variados, do 11 de setembro aos movimentos conservacionistas e à vida nos subúrbios. Tem alguns pontos altos, como a entrevista de Katz espinafrando a indústria da música, a conversa de Joey com o pai republicano de seu melhor amigo sobre a guerra no Iraque, ou a reunião entre Katz, Walter, Jessica e a assistente de Walter, Lalitha, sobre a criação de uma organização de combate à superpopulação. Vamos ver se consigo escolher alguns trechos interessantes de cada uma destas partes:

- Sobre a superpopulação: "Mas o verdadeiro problema (...) é o capitalismo de livre mercado. Não é? A menos que você esteja pensando em banir por lei a reprodução, o seu problema não são as liberdades civis. Você não consegue ressonância cultural para a questão do crescimento populacional porque falar da redução do número de bebês significa falar de limites para o crescimento. Não é? E o crescimento não é uma questão secundária para a ideologia da liberdade de mercado. É a essência da questão. Não é? Para a teoria econômica do livre mercado, coisas como o meio ambiente ficam fora da equação. (...) "

- Sobre a guerra do Iraque: "Em tempos normais (...) a grande maioria da opinião pública americana era isolacionista (...), mas os ataques terroristas 'nos' tinham dado uma oportunidade de ouro, a primeira desde a Guerra Fria, para que 'o filósofo' (...) se apresentasse e unisse o país em torno da missão que sua filosofia revelara ser correta e necessária. 'Precisamos aprender a exagerar um pouco certos fatos ', disse ele, com seu sorriso, a um tio que o contrariara em tom ligeiro duvidando do poderio nuclear do Iraque. 'A mídia moderna não passa de uma sombra muito borrada na parede, e o filósofo precisa estar preparado para manipular essa sombra a serviço de uma verdade maior."

- Sobre a questão ambiental: "(...) a terra está indo embora tão depressa que não podemos ficar esperando que os governos cuidem da conservação do ambiente. O problema dos governos é que eles são eleitos por maiorias que no fundo estão cagando para a biodiversidade. Enquanto os bilionários tendem a dar atenção a isso. É do interesse deles não deixar que o planeta se foda por completo, porque são eles e seus herdeiros que vão ter dinheiro para aproveitar (...). Em matéria de fechar um hábitat para salvá-lo da exploração, é muito mais fácil mobilizar meia dúzia de bilionários do que educar os eleitores americanos, que estão perfeitamente satisfeitos com sua TV a cabo, seus videogames e sua banda larga."

- Sobre a indústria da música e a Apple: "R.: Falando sério. Ser indicado para o Grammy foi uma honra tão inesperada que eu me sinto obrigado a me empenhar ao máximo nesse ano eleitoral. Tive a oportunidade de figurar na linha de frente da indústria da música popular, fabricar meus chicletes e tentar convencer adolescentes de catorze anos que a aparência e funcionalidade dos produtos da Apple Computers são uma indicação de que a Apple Computers está empenhada em transformar o mundo num lugar melhor, porque os iPods são tão mais bonitos que os outros aparelhos de MP3, motivo pelo qual são muito mais caros e incompatíveis com programas de outras empresas, porque - bem, na verdade não está muito claro o por quê, num mundo melhor, os produtos mais maneiros precisam render os lucros mais obscenos para um número minúsculo de residentes deste mundo melhor.(...)"

Como pode-se ver pelos trechos acima, é um romance com conteúdo e bem polêmico em alguns tópicos, mas que flui fantasticamente bem ao longo de suas mais de 600 páginas e vale muito a pena ser lido. Se bem que, como 600 páginas pesam muito na mão, melhor comprar a versão digital e ler no seu iPad ;-)

sábado, 7 de abril de 2012

Sobre a notícia de um novo condomínio em Bertigoa

Segundo notícia divulgada no Estado de São Paulo de 31 de março, "um novo condomínio que ocupará uma área de 3,5 milhões de metros quadrados - mais que o dobro do Parque do Ibirapuera, na capital - está em processo de licenciamento ambiental. Caso seja aprovado, cerca de 660 mil m2 de mata de restinga deverão ser desmatados para abrigar casas, prédios, hotéis e centros comerciais".

Fiz uma breve pesquisa e posso estar errado, mas pelo que identifiquei, a área em questão é esta aqui:


Para dar uma ideia melhor, 3,5 milhões de m2 equivalem a uma área de 3,5 km por 1 km de mata. O empreendimento é uma iniciativa da empresa Brasfanta e o projeto não é novidade. Um relatório do Instituto Ekos Brasil de junho de 2008 e disponível no endereço http://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/publicacoes_mata_atlantica/?23280/Diagnstico-Socioambiental-e-Cultural-do-Polgono-Bertioga, já mencionava empreendimento entre outros quatro que estavam em licenciamento na região na ocasião do estudo:

"- Brasfanta Empreendimentos – empreendimento com aproximadamente 3.350 ha, na praia de Itaguaré, a ser instalado sobre área com vegetação de restinga florestal totalmente preservada. Está dividida em três glebas, com previsão de (a) gleba 1 - estrutura náutica, (b) gleba 2 - com 319 lotes unifamiliares, e(c) gleba 3 - com 1.680 unidades multifamiliares;

- Condomínio Guaratuba – empreendimento com 18 prédios de dez andares cada, que ficará na foz do Rio Guaratuba, de frente para o mar e em área de mata ciliar do Rio. Este empreendimento também ocupará parte do Costão Rochoso de Guaratuba; -

 Riviera de São Lourenço – implantação de novos módulos. Várias torres já se encontram em fase de implantação;

- Fazenda Acaraú – megaprojeto que prevê centros comerciais, torres residenciais e lotes, num total de 3.500 ha."

Segundo o que ouvi em entrevista na CBN esta semana, o projeto da Brasfanta foi recusado na primeira tentativa de licenciamento e agora está sendo apresentado novamente, com modificações. Ao contrário do que diz a matéria do Estado, na entrevista foi mencionado que a empresa que está apresentando o projeto agora se chama Buriqui, mas, se a Brasfanta respondeu à reportagem do jornal, é provável que se trate do mesmo grupo.

A questão com esta região é que se trata de uma área importantíssima de restinga, uma das últimas do litoral paulista e que atua como região de amortecimento para o parque da Serra do Mar. É mesmo necessário construir este condomínio bem ali? Há inúmeras áreas já desmatadas e urbanizadas pelo litoral que podem ser usadas para ocupação. É claro que não deste tamanho, nem em locais tão nobres, mas qual o sentido de se derrubar vegetação nativa e rara para abrir novos espaços para ocupação de veraneio, sem necessidade?

Não me entenda mal. Não sou contra, por exemplo, a derrubada de uma área de mata para atender necessidades reais, para obras que beneficiarão muito uma quantidade enorme de pessoas. É o caso, por exemplo, do trecho norte do Rodoanel ou mesmo, vá lá, uma hidrelétrica nova. Só acho que há motivos e motivos para ações deste tipo, mas este aqui, sinceramente, não me parece nada nobre.

domingo, 1 de abril de 2012

Encontrando Henrique Cardoso

Alguns domingos atrás fomos almoçar no restaurante Santinho do Instituto Tomie Ohtake. É um restaurante no esquema de buffet self-service, com pratos moderninhos e nada barato, bem do jeito que eu normalmente evito, mas que tem uma área externa boa para quem quer almoçar com dois delinquentes infantis hiperativos de 5 anos e, portanto, virou opção para almoços de família completa.

O interessante foi que estávamos ali, na fila do buffet, com o prato na mão, tentando decifrar o que havia em cada travessa ou pedindo tradução para os garçons, quando demos de cara com o FHC. Ali, no fim da fila, numa boa, esperando a vez dele junto com a gente, sem segurança, sem puxa-sacos, tranquilo e sorridente.

Foi um negócio bacana de se ver. No mesmo país onde qualquer manezinho se acha o rei da cocada, imperam carteiradas daqui e dali e babaquaras semi-analfabetos cheios de dinheiro andam com quatro seguranças em volta, o ex-presidente estava ali, sossegado e discreto, pegando sua saladinha.

Na minha segunda visita ao buffet, ele entrou logo atrás de mim. Confrontado com um prato com uma cara meio estranha, me chamou e perguntou se eu sabia do que se tratava. Do alto da minha imensa sabedoria culinária, que infelizmente se concentra em variações refinadas da combinação carne + batata + arroz, no primeiro momento fui obrigado a assumir minha ignorância. Felizmente, uma rápida consulta à Sra. Blanco, extremamente versada em tais temas, produziu uma resposta satisfatória à presidencial indagação, de modo que pude esclarecer-lhe:

- É purê de pupunha, senhor presidente.

Desprovidos, ele e eu, da audácia necessária à degustação da iguaria, seguimos para a estação das carnes e massas e voltamos para nossas mesas. O almoço ainda rendeu outro encontro (embora sem nova interação), no fogãozinho das tapiocas, mas acabou assim mesmo, sem maiores incidentes ou ocorrências dignas de nota. Isto é, por pouco o Léo não atropelou FHC na hora de ir embora correndo do restaurante, mas isso felizmente ficou no campo do "quase".

P.S.: Será que esta consultoria já me renderia uma aposentadoriazinha de assessor?

P.S. 2: Será que se tivesse sido com o Sarney ou o Collor, a aposentadoriazinha poderia render ainda um adicional de insalubridade?