domingo, 15 de dezembro de 2013

As Crônicas de Gelo e Fogo (ou A Guerra dos Tronos)

A série de livros das Crônicas de Gelo e Fogo de George R.R. Martin (também conhecida como A Guerra dos Tronos) emplacou todos os seus 5 episódios escritos até agora nas listas de livros de ficção mais vendidos. Mesmo assim, para ser sincero, nunca tinha me interessado por ela – uma série de fantasia com boa vendagem, afinal, só poderia cair em algum lugar entre Harry Potter e Crepúsculo e, de preferência, o mais longe possível da minha estante. Imaginava alguma coisinha leve e boba para agradar a adolescentes, mas estava errado, muito errado... 


Eu ganhei os dois primeiros volumes da minha cunhada no Natal passado e resolvi encarar: depois de uns 4 ou 5 capítulos já estava bem claro que não era nada leve e muito menos infantil. Na verdade, deixa O Senhor dos Anéis parecendo um conto de fadas da Disney. A coisa mais parecida de que consigo me lembrar é a trilogia de Bernard Cornwell sobre o Rei Arthur de que já falei em 2009 - http://paginaemblanco.blogspot.com.br/2009/07/o-rei-do-inverno-o-inimigo-de-deus-e.html

Por enquanto, só li os 3 primeiros volumes e cerca de 1/3 do volume 4, mas como ainda tem pelo menos mais dois sendo escritos, não vai adiantar nada esperar terminar de ler os 5 que tenho para escrever sobre eles, então vamos lá. Os 5 volumes disponíveis até o momento são (Editora Leya):

1 – A Guerra dos Tronos 
2 – A Fúria dos Reis 
3 – A Tormenta das Espadas 
4 – O Festim dos Corvos 
5 – A Dança dos Dragões 

A história se passa na terra imaginária de Westeros, um continente com cara de Inglaterra e tamanho equivalente ao da América do Sul, mas em que as estações levam anos em vez de meses e onde a evolução da civilização parece ter parado na idade média ao longo de muitos séculos. Anteriormente dividido entre 7 reinos, foi unificado sob o comando de um único rei algumas centenas de anos antes do período em que se passa o texto. Ao norte de Westeros, uma enorme muralha, vigiada por uma espécie de Legião Estrangeira medieval conhecida como a Patrulha da Noite, separa o reino de uma região fria, selvagem e pouco conhecida. 

Ao final de um longo verão, morre o rei Robert Baratheon e começa uma guerra entre os senhores das principais casas pelo Trono de Ferro, ao mesmo tempo em que, ao norte da muralha, eventos estranhos indicam que antigos inimigos se preparam para um movimento contra Westeros e em que, em um continente vizinho, a última herdeira de uma antiga dinastia prepara-se para retornar e reclamar o trono. 

A saga tem uma quantidade enorme de personagens e lugares, descritos nos mínimos detalhes, bem ao estilo de Tolkien em O Senhor dos Anéis. É recheada com antigas lendas, canções e contos que descrevem o passado de Westeros e das regiões vizinhas. Cada um dos volumes tem mais de 700 páginas, sem contar apêndices, o que dá uma ideia da dimensão da coisa. No final de cada volume, um apêndice de 50 (!) páginas relaciona os nomes de todos os personagens e seus respectivos papéis e casas, para ajudar aos de memória mais fraca. 

O que deixa a trama difícil de largar é a sua total imprevisibilidade. Os personagens têm personalidades e comportamentos complexos, instáveis e dinâmicos e o autor tem a tendência a matá-los quando você começa a gostar deles. Há até uma piadinha americana sobre porque George R. R. Martin não usa Twitter: “Because he would kill all of the 140 characters”. Não é exagero. Ele mata, mutila ou aleija os principais de repente e sem a menor piedade... chega a dar raiva. 

A Guerra dos Tronos tornou-se uma série da HBO recentemente, e é uma produção de excepcional qualidade, além de muito fiel aos livros. No box de blu-ray da 1ª e 2ª temporadas (correspondentes aos 2 primeiros livros), há uma grande quantidade de extras que também acrescentam muitos detalhes sobre o passado de Westeros e as suas várias casas. Recomendo, entretanto, que comece pelos livros e vá assistindo à série em seguida. 

Há também uma Wiki brasileira sobre a Guerra dos Tronos, disponível em wiki.gameofthronesbr.com, para quem quiser se aprofundar ou para quem quiser saber mais sobre a história antes de se decidir a experimentar. Fornece um resumo muito melhor do que eu conseguiria apresentar aqui. 

Meu conselho: se você tem, como eu tinha, preconceito por se tratar de uma obra de fantasia, sugiro que compre o primeiro volume ou assista ao primeiro episódio da HBO. Vale a pena e ainda dá tempo de se preparar para o lançamento do volume 6, previsto para 2015.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Tom Clancy

Tom Clancy faleceu em 1o de outubro, curiosamente na mesma semana em que a Editora Record lançou no Brasil um dos seus últimos livros: "Morto ou Vivo". 


Vai deixar saudades... mas pelo menos escreveu tanta coisa que ainda dá para ler por uns dez anos no mínimo... 

domingo, 4 de agosto de 2013

O Espião que Sabia Demais

Faz tempo que não escrevo sobre livros aqui e as razões são várias, mas as principais são que anda sobrando pouco tempo com a chegada da nova pimpolha na família e, como diz a senhora minha esposa, eu "tenho mais hobbies do que sou capaz de gerenciar". Entretanto, tempo para ler sempre aparece, mas estou intercalando a "A Guerra dos Tronos" (5 volumes enormes) com "1Q84" (3 volumes normais) e não quero escrever sobre eles antes de terminar todos, o que ainda vai levar algum tempo.

No vão, como se diz em Pìraju, dá para encaixar alguma coisa também. Algumas prestam, outras não, mas a melhor dos últimos tempos foi "O Espião que Sabia Demais" de John le Carré.


Algum tempo atrás eu fiz um comentário rápido sobre "Para ler como um escritor" de Francine Prose aqui. Uma das melhores coisas deste excepcional livrinho era uma lista que a autora e o tradutor incluíram de obras-primas dos melhores escritores, que não podiam deixar de ser lidas. De John le Carré estava presente "O Espião que Veio do Frio", que ainda não li, mas já posso dizer que a autora certamente acertou ao incluir le Carré na sua lista.

O título original do livro escrito em 1974 e intraduzível para o português é "Tinker Tailor Soldier Spy". É uma nursery rhyme inglesa, então não faz muito sentido em português, de modo que não dá para criticar os tradutores e a editora por terem adotado um nome que não tem nada a ver com o original. Apenas como curiosidade, a rima original é:

Tinker, Tailor,
Soldier, Sailor,
Rich Man, Poor Man,
Beggar Man, Thief.

O personagem principal é George Smiley, espião de um serviço de inteligência inglês fictício conhecido como The Circus (que seria o equivalente ao MI6 do mundo real), que atua no período da Guerra Fria e que não poderia ser mais distante de James Bond: gordinho, largado pela mulher e demitido pelo governo. Smiley aparece em vários livros de le Carré, dos quais este é o quinto ("O Espião que Veio do Frio" é o terceiro), e quem não leu os outros (como eu), fica um pouco perdido no começo. Nada que comprometa o entendimento da história, mas para a ordem certa, é só checar o site de le Carré: http://www.johnlecarre.com/books/the-smiley-novels

A trama é bastante complicada: basicamente, parte de uma denúncia aparentemente sólida, feita por um agente de campo, de que há um traidor (ou uma "toupeira"), infiltrado nos altos escalões do Circus. Smiley, procurado para investigar a denúncia, é reintegrado ao serviço e passa a conduzir um complexo processo de análise de documentos de várias operações mal sucedidas, interrogatórios e conversas com diversos agentes e funcionários do Circus para tentar chegar ao nome do traidor. É um trabalho muito mais intelectual do que de ação e a profundidade com que le Carré aborda questões políticas e morais, junto com a qualidade do enredo e a complexidade e humanidade dos personagens tornam tudo muito interessante e fazem um livro bem difícil de largar. Virou um filme em 2011 com Gary Oldman e Colin Firth, mas que ainda não assisti.

Smiley tem um equivalente no serviço secreto soviético (ou Centro), chamado Karla, que é sua obsessão. Este livro é o primeiro da trilogia batizada como "Karla Trilogy" pelo próprio autor e que inclui também "The Honorable Schoolboy" ("Quase um Colegial", na tradução em português) e "Smiley's People" ("A Vingança de Smiley"). Com o tempo, pretendo ler pelo menos mais estes dois e também "O Espião que Veio do Frio". Afinal, junto com Johannes Mario Simmel, creio que le Carré seja um dos melhores escritores de espionagem que já li e recomendo!

OBS - o site de le Carré aparentemente tem um mecanismo de busca de referências a ele, meio que à la Edward Snowden. Vou lançar um link para este texto no Twitter e vamos ver se ele pega...

sexta-feira, 26 de abril de 2013

4'33"

Na categoria de coisas que não dá para deixar passar em branco nesta vida, recomendo que ninguém perca a espetacular interpretação do solista William Marx para a composição 4’33” de John Cage, em especial o terceiro movimento (abaixo ou no link):



E se você, como eu, achar que não pode deixar de ter esta obra fantástica no seu iPod, ela está disponível na iTunes Store por apenas USD 0,99.





Obs. - Algumas vezes eu me preocupo por ficar muito tempo sem publicar nenhum texto aqui. Entretanto, pretendo usar o espaço para escrever sobre coisas interessantes, bons livros e evitar textos rabugentos ao máximo. Se li e não gostei, provavelmente não vai aparecer aqui (a não ser que tenha odiado tanto, que falar mal seja irresistível ou impossível). Mas no geral, o princípio neste blog é que o silêncio tem prioridade sobre a crítica. Como agora.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Beleza e Tristeza

O último comentário sobre livros que fiz aqui foi sobre "Laranja Mecânica" e a sua ultraviolenta celebração da maldade. Em oposição a ele, como exemplo de como a maldade pode também ser delicada, posso indicar "Beleza e Tristeza" do Nobel japonês Yasunari Kawabata. 



Enquanto "Laranja Mecânica" você consegue ler até de pé no metrô lotado, "Beleza e Tristeza" não dá. É um livro para ser lido no mais absoluto silêncio, de preferência numa rede no parque, se você quiser realmente entrar no clima do texto. É tão oriental, suave e quieto quanto "Laranja Mecânica" é ocidental, agitado e barulhento. 

Conta a história de um escritor casado (Oki), que viaja buscando reencontrar sua ex-amante de mais de vinte anos antes, Otoko, que se apaixonou e foi engravidada por ele quando ainda era adolescente. Otoko vive com uma garota mais jovem, Keiko, por sua vez apaixonada por ela e obcecada com a ideia de se vingar do que percebe como o mal que Oki causou a Otoko no passado. 

Não bem a maldade, mas talvez a amoralidade de Keiko e sua semelhança com a amoralidade do Alex de "Laranja Mecânica" é o que eu vejo como uma conexão entre os dois livros. É provavelmente a única, mas quando você lê os dois em um intervalo curto de tempo, é muito clara. 

Fora isso, é difícil escrever sobre "Beleza e Tristeza". É um livro calmo e silencioso, embora forte e inquietante e vale como uma imersão rápida em cultura japonesa. Também é muito interessante como retrato do processo de americanização do Japão. Para quem não tem o hábito de ler obras orientais, como eu, fica a recomendação. Mas não tente ler no aeroporto, pois não vai funcionar.

domingo, 3 de março de 2013

A renúncia de Bento XVI

Com a renúncia do Papa Bento XVI, os católicos (como eu), temos ouvido uma dose anormal de asneiras. Tudo bem, assim com evangélicos, judeus, muçulmanos , etc., já estamos mais do que acostumados a escutar muita bobagem de gente que não tem a menor ideia do que está falando, mas todo mundo tem direito a opinião e isso deve ser respeitado e defendido. Entretanto, alguns extrapolam.

Refiro-me à coluna de Barbara Gancia na Folha em 15-02-2013, com o título respeitoso de "Bento, o Arregão", disponível em: 
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/barbaragancia/1231017-bento-o-arregao.shtml

Caso o link acima se perca com o tempo e não seja possível ler o texto, dá para ter-se uma ideia do conteúdo apenas pela frase em que classifica João Paulo II, uma das figuras mais respeitadas do século XX, de "misógino que se autoflagelava para expiar suas culpas".

Honestamente, é uma das coisas mais ofensivas que já li. Deveriam dar um nome para este tipo de bullying religioso. Minha sugestão seria algo do tipo "credofobia", sei lá... A ombudsman da Folha, Suzana Singer, ainda tentou explicar a posição de sua colunista em um texto disponível no link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsman/94202-confissoes-de-um-colunista.shtml

Um pedido de desculpas teria sido melhor.

Felizmente, a mediocridade não é a regra na imprensa brasileira. Houve também muitos textos e comentários lúcidos nestas semanas. Entre eles, destaco o comentário de Arnaldo Jabor na CBN no dia 01-03-2013, disponível em http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldo-jabor/ARNALDO-JABOR.htm, ou logo abaixo:

 

É o tipo de reflexão que se espera de um veículo sério e não surtos de ódio. De qualquer modo, para a Srta. Gancia, creio que a melhor resposta já foi dada no próprio site da Folha por uma leitora:

"Há 3 anos, no começo da gravidez, o diagnóstico: down. O q fazer? Tirar ou não? Vc procura respostas em tudo q pode. Pois numa carta de Bento 16 (Deus é Amor), achei a solução e entendi o quanto precisamos ser amados e podemos amar. A incrível capacidade de dilatar o coração e colocar em prática uma teoria resgatada. Hoje, durmo melada de beijos doces ao som de "eu te amo mamãe"... Como será amanhã? Nem ideia... Sigo a vida; amando! Obrigada Bento 16. Não foi tarde!"

Mesmo que esta tivesse sido a única consequência positiva da passagem de Bento XVI pelo papado, certamente já teria sido mais do que trouxe a passagem da colunista pela Folha.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Laranja Mecânica

Junto com 1984 (George Orwell) e Admirável Mundo Novo (Adous Huxley), Laranja Mecânica (Anthony Burgess) forma a Santíssima Trindade das distopias futuristas. Há outras ótimas obras nessa linha, como Neuromancer (William Gibson) ou mesmo os quadrinhos de V de Vingança (Alan Moore), mas as três primeiras são as clássicas. Laranja Mecânica ficou mais famoso pelo filme de Stanley Kubrick do que propriamente pelo livro, mas como não tinha visto um nem lido o outro, resolvi começar pelo livro. 




Narrado em primeira pessoa por Alex, um adolescente em uma Inglaterra governada por um regime totalitário, é um “tour de force da maldade”, como colocado por uma crítica do New York Times. Apaixonado por música clássica e violência, Alex lidera um gangue pequena de periferia, que faz de tudo e mais um pouco, de estupros a espancamento de idosos, mas que acaba preso e vira cobaia de um procedimento experimental de “regeneração” do governo. 

A grande sacada do livro é a sensação de estranheza que o leitor sente quando começa a leitura – você se sente jogado, de repente, em um universo completamente estranho, em que a moral (ou falta dela) e a própria língua das gangues são tão estranhas para você quanto são para a parcela “civilizada”da sociedade do livro, causando desorientação e até alguma náusea em certos trechos (muito embora a ultraviolência do livro não seja lá muito diferente do que vemos hoje em dia no noticiário), além do mesmo tipo de choque que um filme como Kids causa quando visto pela primeira vez. 

Burgess criou uma língua própria para as gangues, chamada de “nadsat”, e não incluiu nenhum glossário, deixando para o leitor decifrar frases como: 

Então vi que aquele machucaboy gordinho estava se virando para seus druguis miliquinhas para dar uma smekada horrorshow de verdade com o que tinha feito, então levantei meu noga direito e, antes que pudessem krikar para ele tomar cuidado, dei-lhe um chute bem dado na canela.” 

A edição que li, da Aleph, inclui um glossário, mas a experiência é melhor sem recorrer a ele. A metralhadora de gírias faz com que você se sinta um velho deslocado desde as primeiras páginas e o livro perderia muito sem ela. 

É bom. Muito bom. Aborda com profundidade a questão do mal e do livre abítrio e vale a pena ser lido, mesmo por quem já viu o filme. Diz o prefácio que o filme omite uma boa parte do final do livro, alterando um pouco o sentido buscado pelo autor, mas como não assisti ainda, não posso confirmar. 

Para um gostinho do que esperar em Laranja Mecânica, selecionei dois trechos abaixo: 

De Alex, sobre sua maldade: “Meus irmãos, esse negócio de ficar roendo as unhas dos pés sobre qual é a causa da maldade é que me torna um maltchik risonho. Eles não procuram saber qual a causa da bondade, então por que ir à outra loja? Se os plebeus são bons é porque eles gostam, e eu jamais iria interferir com seus prazeres, e o mesmo vale para a outra loja. E eu frequento a outra loja. E mais: a maldade vem de dentro, do eu, de mim ou de você totalmente odinokis, e esse eu é criado pelo velho Bog ou Deus, e é seu grande orgulho e radóstia. Mas o não eu não pode ter o mau, quer dizer, eles lá do governo e os juízes e as escolas não conseguem permitir o mau porque não conseguem permitir o eu. E não é a nossa história moderna, meus irmãos, a história de bravos eus malenks combatendo essas grandes máquinas? Estou falando sério sobre isso com vocês, irmãos. Mas eu faço porque gosto de fazer.” 

Do padre/capelão da cadeia, quando Alex decide ser voluntário ao programa de “regeneração” experimental do governo: “- Pode não ser bom ser bom, pequeno 6655321. Ser bom pode ser horrível. E quando digo isso a você, percebo o quão contraditório isso soa. Eu sei que perderei muitas noites de sono por causa disso. O que Deus quer? Será que Deus quer insensibilidade ou a escolha da bondade? Será que um homem que escolhe o mal é talvez melhor que um homem que teve o bem imposto em si? (...) E mesmo assim, sob um certo ponto de vista, ao escolher ser privado da capacidade de fazer uma escolha ética, você de certa forma escolheu o bem. Gostaria de crer nisso.” 

Poneou, drugui?