sábado, 19 de janeiro de 2013

Laranja Mecânica

Junto com 1984 (George Orwell) e Admirável Mundo Novo (Adous Huxley), Laranja Mecânica (Anthony Burgess) forma a Santíssima Trindade das distopias futuristas. Há outras ótimas obras nessa linha, como Neuromancer (William Gibson) ou mesmo os quadrinhos de V de Vingança (Alan Moore), mas as três primeiras são as clássicas. Laranja Mecânica ficou mais famoso pelo filme de Stanley Kubrick do que propriamente pelo livro, mas como não tinha visto um nem lido o outro, resolvi começar pelo livro. 




Narrado em primeira pessoa por Alex, um adolescente em uma Inglaterra governada por um regime totalitário, é um “tour de force da maldade”, como colocado por uma crítica do New York Times. Apaixonado por música clássica e violência, Alex lidera um gangue pequena de periferia, que faz de tudo e mais um pouco, de estupros a espancamento de idosos, mas que acaba preso e vira cobaia de um procedimento experimental de “regeneração” do governo. 

A grande sacada do livro é a sensação de estranheza que o leitor sente quando começa a leitura – você se sente jogado, de repente, em um universo completamente estranho, em que a moral (ou falta dela) e a própria língua das gangues são tão estranhas para você quanto são para a parcela “civilizada”da sociedade do livro, causando desorientação e até alguma náusea em certos trechos (muito embora a ultraviolência do livro não seja lá muito diferente do que vemos hoje em dia no noticiário), além do mesmo tipo de choque que um filme como Kids causa quando visto pela primeira vez. 

Burgess criou uma língua própria para as gangues, chamada de “nadsat”, e não incluiu nenhum glossário, deixando para o leitor decifrar frases como: 

Então vi que aquele machucaboy gordinho estava se virando para seus druguis miliquinhas para dar uma smekada horrorshow de verdade com o que tinha feito, então levantei meu noga direito e, antes que pudessem krikar para ele tomar cuidado, dei-lhe um chute bem dado na canela.” 

A edição que li, da Aleph, inclui um glossário, mas a experiência é melhor sem recorrer a ele. A metralhadora de gírias faz com que você se sinta um velho deslocado desde as primeiras páginas e o livro perderia muito sem ela. 

É bom. Muito bom. Aborda com profundidade a questão do mal e do livre abítrio e vale a pena ser lido, mesmo por quem já viu o filme. Diz o prefácio que o filme omite uma boa parte do final do livro, alterando um pouco o sentido buscado pelo autor, mas como não assisti ainda, não posso confirmar. 

Para um gostinho do que esperar em Laranja Mecânica, selecionei dois trechos abaixo: 

De Alex, sobre sua maldade: “Meus irmãos, esse negócio de ficar roendo as unhas dos pés sobre qual é a causa da maldade é que me torna um maltchik risonho. Eles não procuram saber qual a causa da bondade, então por que ir à outra loja? Se os plebeus são bons é porque eles gostam, e eu jamais iria interferir com seus prazeres, e o mesmo vale para a outra loja. E eu frequento a outra loja. E mais: a maldade vem de dentro, do eu, de mim ou de você totalmente odinokis, e esse eu é criado pelo velho Bog ou Deus, e é seu grande orgulho e radóstia. Mas o não eu não pode ter o mau, quer dizer, eles lá do governo e os juízes e as escolas não conseguem permitir o mau porque não conseguem permitir o eu. E não é a nossa história moderna, meus irmãos, a história de bravos eus malenks combatendo essas grandes máquinas? Estou falando sério sobre isso com vocês, irmãos. Mas eu faço porque gosto de fazer.” 

Do padre/capelão da cadeia, quando Alex decide ser voluntário ao programa de “regeneração” experimental do governo: “- Pode não ser bom ser bom, pequeno 6655321. Ser bom pode ser horrível. E quando digo isso a você, percebo o quão contraditório isso soa. Eu sei que perderei muitas noites de sono por causa disso. O que Deus quer? Será que Deus quer insensibilidade ou a escolha da bondade? Será que um homem que escolhe o mal é talvez melhor que um homem que teve o bem imposto em si? (...) E mesmo assim, sob um certo ponto de vista, ao escolher ser privado da capacidade de fazer uma escolha ética, você de certa forma escolheu o bem. Gostaria de crer nisso.” 

Poneou, drugui?