sexta-feira, 22 de março de 2013

Beleza e Tristeza

O último comentário sobre livros que fiz aqui foi sobre "Laranja Mecânica" e a sua ultraviolenta celebração da maldade. Em oposição a ele, como exemplo de como a maldade pode também ser delicada, posso indicar "Beleza e Tristeza" do Nobel japonês Yasunari Kawabata. 



Enquanto "Laranja Mecânica" você consegue ler até de pé no metrô lotado, "Beleza e Tristeza" não dá. É um livro para ser lido no mais absoluto silêncio, de preferência numa rede no parque, se você quiser realmente entrar no clima do texto. É tão oriental, suave e quieto quanto "Laranja Mecânica" é ocidental, agitado e barulhento. 

Conta a história de um escritor casado (Oki), que viaja buscando reencontrar sua ex-amante de mais de vinte anos antes, Otoko, que se apaixonou e foi engravidada por ele quando ainda era adolescente. Otoko vive com uma garota mais jovem, Keiko, por sua vez apaixonada por ela e obcecada com a ideia de se vingar do que percebe como o mal que Oki causou a Otoko no passado. 

Não bem a maldade, mas talvez a amoralidade de Keiko e sua semelhança com a amoralidade do Alex de "Laranja Mecânica" é o que eu vejo como uma conexão entre os dois livros. É provavelmente a única, mas quando você lê os dois em um intervalo curto de tempo, é muito clara. 

Fora isso, é difícil escrever sobre "Beleza e Tristeza". É um livro calmo e silencioso, embora forte e inquietante e vale como uma imersão rápida em cultura japonesa. Também é muito interessante como retrato do processo de americanização do Japão. Para quem não tem o hábito de ler obras orientais, como eu, fica a recomendação. Mas não tente ler no aeroporto, pois não vai funcionar.

domingo, 3 de março de 2013

A renúncia de Bento XVI

Com a renúncia do Papa Bento XVI, os católicos (como eu), temos ouvido uma dose anormal de asneiras. Tudo bem, assim com evangélicos, judeus, muçulmanos , etc., já estamos mais do que acostumados a escutar muita bobagem de gente que não tem a menor ideia do que está falando, mas todo mundo tem direito a opinião e isso deve ser respeitado e defendido. Entretanto, alguns extrapolam.

Refiro-me à coluna de Barbara Gancia na Folha em 15-02-2013, com o título respeitoso de "Bento, o Arregão", disponível em: 
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/barbaragancia/1231017-bento-o-arregao.shtml

Caso o link acima se perca com o tempo e não seja possível ler o texto, dá para ter-se uma ideia do conteúdo apenas pela frase em que classifica João Paulo II, uma das figuras mais respeitadas do século XX, de "misógino que se autoflagelava para expiar suas culpas".

Honestamente, é uma das coisas mais ofensivas que já li. Deveriam dar um nome para este tipo de bullying religioso. Minha sugestão seria algo do tipo "credofobia", sei lá... A ombudsman da Folha, Suzana Singer, ainda tentou explicar a posição de sua colunista em um texto disponível no link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsman/94202-confissoes-de-um-colunista.shtml

Um pedido de desculpas teria sido melhor.

Felizmente, a mediocridade não é a regra na imprensa brasileira. Houve também muitos textos e comentários lúcidos nestas semanas. Entre eles, destaco o comentário de Arnaldo Jabor na CBN no dia 01-03-2013, disponível em http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldo-jabor/ARNALDO-JABOR.htm, ou logo abaixo:

 

É o tipo de reflexão que se espera de um veículo sério e não surtos de ódio. De qualquer modo, para a Srta. Gancia, creio que a melhor resposta já foi dada no próprio site da Folha por uma leitora:

"Há 3 anos, no começo da gravidez, o diagnóstico: down. O q fazer? Tirar ou não? Vc procura respostas em tudo q pode. Pois numa carta de Bento 16 (Deus é Amor), achei a solução e entendi o quanto precisamos ser amados e podemos amar. A incrível capacidade de dilatar o coração e colocar em prática uma teoria resgatada. Hoje, durmo melada de beijos doces ao som de "eu te amo mamãe"... Como será amanhã? Nem ideia... Sigo a vida; amando! Obrigada Bento 16. Não foi tarde!"

Mesmo que esta tivesse sido a única consequência positiva da passagem de Bento XVI pelo papado, certamente já teria sido mais do que trouxe a passagem da colunista pela Folha.