sexta-feira, 14 de março de 2014

1Q84

Algumas editoras gostam de judiar dos leitores: depois de ler o primeiro e o segundo livros da trilogia 1Q84 de Haruki Murakami, precisei esperar um ano até que a Alfaguara lançasse o terceiro volume no Brasil. Poderia ter comprado no Kindle em inglês, mas ia ficar um buraco na estante, então resolvi esperar. 




Acabei de ler o terceiro volume ontem e, agora que a raiva passou, acho que já dá para escrever sobre eles. Porque raiva? Depois eu explico. 

A história de 1Q84 gira em torno de dois personagens principais: Aomame, uma instrutora de ginástica, criada por pais seguidores dos preceitos das Testemunhas de Jeová e Tengo Kawana, um professor de matemática e aspirante a escritor, criado sozinho pelo pai, um cobrador da NHK. 

Como assim, "cobrador da NHK"? Pois é. Pelo que o livro dá a entender, há, ou pelo menos havia na década de 80 no Japão, a figura do cobrador por sinal de televisão aberto. Era um sujeito que batia à sua porta para cobrar uma taxa pela captação do sinal da NHK caso você tivesse televisão. Mais ou menos como se um sujeito aparecesse na sua casa para cobrar pelo sinal de UHF da TV Cultura. Bizarro. 

Aomame e Tengo estudaram na mesma escola por um período e tiveram um contato muito curto e intenso, mas nunca se esqueceram um do outro. As suas histórias transcorrem de forma isolada ao longo dos 3 livros, lentamente convergindo para seu reencontro. 

Suas vidas começam a se reaproximar em 1984 quando Tengo aceita participar em um esquema para fraudar um concurso literário, reescrevendo um manuscrito que seu amigo editor Komatsu recebe de uma estranha jovem (Eriko Fukada), com o título de "Crisálida de Ar". 

"Crisálida de Ar" fala de um mundo em que duas luas pairam no céu e em que a seita religiosa fanática Sakigake recebe instruções de seres sobrenaturais chamados de "Povo Pequenino". Com o tempo, tanto Tengo quanto Aomame são transportados para o mundo paralelo em que se passa "Crisálida de Ar", Aomame rebatiza este universo de 1Q84, e é lá que vão se reencontrar. 

O texto é um misto de romance, suspense, policial e ficção fantástica. O primeiro e o segundo volumes são muito bons e criam uma grande expectativa. Daí a raiva que vem quando você lê o terceiro, especialmente depois de esperar um ano pelo lançamento. O terceiro volume se arrasta por cenas que não contribuem em nada com a história e de repente acaba sem explicar pontos cruciais, deixando um gosto amargo na boca. Dá a impressão de que o autor se enrolou tanto na trama que lá pelas tantas desistiu de explicar qualquer coisa e resolveu encerrar. 

É muito estranho o uso do artifício da narrativa em terceira pessoa por um narrador que em alguns momentos é onisciente e em outros não: há coisas explicadas nos mínimos detalhes e outras que permanecem deliberadamente sem explicação. Bem irritante, em minha opinião. 

Pode ser que seja comigo o problema e que eu seja muito ruim em entender as metáforas e sutilezas de 1Q84, mas se você que está lendo este comentário se dispuser a encará-lo, gostaria de sua opinião e ajuda para esclarecer alguns pontos: 

- O que significa aquele suposto fantasma do pai de Tengo batendo na porta de Aomami e Fukaeri? 

- A troco do que a policial amiga de Aomame entrou e saiu da história? Para que ela serviu? 

- Do mesmo modo, para que serviram as cenas de Tengo com as enfermeiras? 

- Para que serve também a cena do encarregado da segurança da Sakigake resolvendo ir para Tókio no final do terceiro livro? 

- Aomame puxou ou não o gatilho ao final do segundo livro? 

- E a crisálida de ar ao lado de Ushikawa? 

- Finalmente, e isso eu acho que algum amigo japonês poderia me explicar: porque há a obsessão do autor em usar tantos "isso mesmo" no livro? É uma tentativa de tradução de alguma expressão japonesa? 

Bom, apesar de todos os problemas com o terceiro livro, acho que vale a pena ler 1Q84, pelos primeiro e segundo volumes, mesmo com a sensação que se tem ao final, de que tudo não passou de uma bad trip...