sábado, 18 de novembro de 2017

Bourgeois Dignity - Why economics can't explain the modern world

Por volta de 1800, um ser humano médio consumia o equivalente a US$ 3 por dia. Atualmente, um morador de países como França ou Japão consome algo próximo a US$ 100 por dia. Esta é a magnitude do crescimento econômico neste período. Se forem levados em conta os benefícios para a qualidade de vida média por conta de inovações que vão da anestesia às viagens de avião, pode-se afirmar sem sombra de dúvida que as condições materiais da humanidade evoluíram em uma proporção ainda muito maior. Em “Bourgeois Dignity - Why economics can't explain the modern world” (The University of Chicago Press, 2011), a economista Deirdre N. McCloskey busca identificar as causas desta onda repentina de desenvolvimento que nos trouxe até o mundo moderno e porque ela se originou no ocidente e não no oriente, apesar de algumas regiões (como a China) apresentarem condições muito mais promissoras que as da Europa, com séculos de antecedência. 


Para McCloskey, forças econômicas não foram a causa original do crescimento visto a partir de 1800 – a economia descreve como essa onda de desenvolvimento se expressou nas diversas regiões do globo, mas não explica as suas causas. Quais seriam então estas causas? O argumento defendido em “Bourgeois Dignity” (e nos dois outros dois volumes que compõe a trilogia da qual o livro é o 2º volume), é uma mudança ética e de retórica a partir de 1800 na Europa foi absolutamente fundamental para abrir o caminho para o modelo capitalista, que possibilitou e levou à Revolução Industrial. 

Ao se referir ao capitalismo, McCloskey adota outro termo: “inovação”, por considerá-lo mais adequado e menos carregado de preconceitos. O que ela argumenta ao longo das 500 páginas do livro é que o verdadeiro liberalismo, que foi como Adam Smith denominou o “sistema óbvio e simples de liberdade natural”, foi o grande responsável pelo crescimento moderno e que ele tem indiscutivelmente as evidências históricas ao seu lado, ao contrário tanto da ideologia socialista quanto da conservadora (focada em acumulação de capital). 

McCloskey defende que a parcela da sociedade responsável pela explosão de crescimento a partir da disseminação dos fundamentos do capitalismo foi uma classe particularmente desprezada até o século XVI: a Burguesia. O termo “burguesia” é usado no texto em seu sentido francês original, de uma classe de profissionais liberais, arquitetos, artesãos, engenheiros, donos de negócios e empreendedores, usualmente moradores das cidades - a chamada “classe média” - e não no sentido marxista usual de “alta burguesia” (os capitães da indústria). 

Após séculos sendo desprezada pelas elites da nobreza, da intelectualidade e do clero, que viam suas atividades como “indignas”, finalmente, trezentos anos atrás, em lugares como a Holanda e a Inglaterra, a imagem da classe média começou a mudar. Conversas sobre negócios, inovação e mercados começaram a ser mais difundidas e aceitas. Os filósofos e teóricos foram levados a repensar o seu preconceito contra a burguesia. As ideias disseminadas pelos países do Atlântico Norte alteraram radicalmente a economia, a política e a retórica. Uma ampla e repentina mudança de posição da opinião pública com relação à burguesia começou a ocorrer no noroeste europeu, em especial em favor das noções de mercado, empresas e inovação. Primeiro a economia no Mar do Norte começou a mudar, depois a economia no Atlântico e finalmente a economia mundial começou a crescer por causa destas mudanças de discurso. O capitalismo como sistema econômico surge quando o comerciante e o empreendedor finalmente começam a ser socialmente aceitos (a “dignidade” do título) e a ser protegidos contra a exploração do estado e do clero (“liberdade”). Os países do Mar do Norte atingem a “dignidade burguesa” com liberdade para empreender e o desenvolvimento econômico vem logo a seguir. 

O livro discorre em detalhes sobre essa questão da mudança de mentalidade e não é possível relacioná-los todos aqui, mas um exemplo interessante refere-se à forma como a inovação virou o jogo diz respeito à dinâmica econômica nas sociedades rurais até 1800: até esta época, quaisquer inovações, digamos, em vestuário ou em embarcações, faziam muito pouco para mudar a vida a US$ 3 por dia mencionada no início deste texto. Se as coisas melhorassem para uma comunidade, as pessoas tendiam a ter mais filhos e então a situação novamente se deteriorava, uma vez que parcela de terra disponível para a produção de alimentos na referida comunidade permanecia a mesma. Ou seja, tinha-se estabelecido um jogo de soma zero. O homem comum não tinha nenhuma razão para acreditar que a vida de seus descendentes seria melhor do que a sua própria. 

Com o capitalismo, entretanto, o jogo passou a ser de soma positiva e a maldição malthusiana foi quebrada. O regime frenético de inovações após 1800 e especialmente após 1900 enriqueceu as pessoas de maneira geral. As novidades, como o motor a vapor, o avião ou o Walmart, eram agora disseminadas de forma abrangente e as pessoas comuns se beneficiavam das inovações pela primeira vez na história. Em 200 anos, o nível médio de consumo mundial explodiu e hoje é de US$ 30 por dia (US$ 137 se você for norueguês). A este aumento puramente monetário, acrescente os benefícios materiais e intangíveis trazidos pela disseminação cada vez maior do acesso à saúde, educação, transporte, energia elétrica, alimentação e informação. Pela primeira vez tem-se estabelecido um sistema econômico operando em favor do povo em geral, em vez de apenas de uma casta de privilegiados. Como colocado por McCloskey: pense um pouco na pobreza e opressão a que os seus ancestrais eram submetidos cinco gerações atrás e regozije-se. Sem falar na expectativa de vida. 

Como “Bourgeois Dignity” não tem uma edição brasileira, é de se imaginar que poucos terão acesso ou mesmo contato com o livro no Brasil, mas a versão digital na Amazon está disponível por US$ 13,20. É um livro denso, mas escrito de forma surpreendentemente leve, bem humorada e que merece ser lido – é especialmente gratificante para aqueles que acordam todos os dias para enfrentar uma realidade em que a retórica de esquerda tenta emplacar um falacioso discurso de monopólio de todas as virtudes e em que um governo inchado e corrupto parece convencido de que a classe média existe para sustentar os privilégios de uma casta medieval de “eleitos” do funcionalismo público. 

Deirdre McCloskey esteve em São Paulo em outubro de 2017 para uma conferência e debate como parte da programação do  Fronteiras do Pensamento, com mediação de Mônica Waldvogel e participação do economista Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central do Brasil. Alguns momentos da apresentação podem ser vistos neste link.


Finalmente, a despeito da imagem que você possa ter formado a seu respeito, acho que cabe informar que não se trata de uma catedrática conservadora. Autodenominada uma liberal cristã, com 71 anos e Ph.D. em Economia por Harvard, Dreidre McCloskey é transexual e ativa defensora da economia de livre mercado, da ética e dos direitos das pessoas transgênero. Nada mais coerente. Afinal, como colocado pelo intelectual espanhol José Ortega y Gasset em 1920: “Ao contrário da visão comum, que tende a reduzir o liberalismo econômico a uma receita de livre mercado, impostos baixos, despesas governamentais controladas e negócios privados, o liberalismo é, acima de tudo, uma atitude perante a vida e a sociedade baseada na tolerância e coexistência, no respeito pela história e pelas experiências únicas de diferentes culturas e na defesa firme da liberdade. (...) A liberdade econômica é um elemento chave da doutrina liberal, mas certamente não é o único.”.

2 comentários:

  1. Que saudade estava de seus textos, Paulo. Me sinto bem melhor depois de lê-los. Abraços.

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    1. Obrigado, Bruno! Estou tentando aumentar a frequência das postagens aqui... abraços!

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