domingo, 31 de julho de 2011

O Filósofo e o Imperador

Durante um período de cinco anos, Aristóteles viveu na Macedônia e atuou como tutor de Alexandre (na época com 13 anos), a pedido de seu pai, Filipe II. A relação entre Aristóteles e o Alexandre adolescente é o foco do romance "O Filósofo e o Imperador" (originalmente "The Golden Mean") de Annabel Lyon (editora Leya). 

É um tema bom e poderia dar um livro excelente, mas não é o caso. Apesar da capa fantástica e dos detalhes históricos bem amarrados pela autora, o texto simplesmente não engrena e parece ralo e superficial. Pode ser que estivesse um pouco mais rabugento que o normal quando li, mas a impressão que fiquei foi com a de um Aristóteles banana sem ter muito o que dizer e um Alexandre que lembra mais a mala-sem-alça Bella Swan em crise existencial do que o imperador do título.

Tudo bem, não é mole mesmo apresentar filosofia em formato de romance, mas temos aí "Quando Nietzsche Chorou" (de Irvin D. Yalom - Ediouro), que é muito melhor, mesmo se passando em um momento histórico longe, mas longe demais de ser tão interessante quanto o do encontro entre Alexandre e Aristóteles.

O ponto de vista de "O Filósofo e o Imperador" é o de Aristóteles e a própria autora recomenda a leitura de "Fire from Heaven" de Mary Renault (1969) para um relato do ponto de vista de Alexandre. Vou tentar encontrar o livro e ver se é melhor, mas este aqui é, no máximo, mediano (no mal sentido, não no sentido aristotélico).

domingo, 17 de julho de 2011

Crianças e Moral

Crianças são especialistas em fazer perguntas complicadas. Ontem o Leo me apareceu com várias, mas uma delas chamou mais a minha atenção: "Papai, porque o Anakin virou do mal?".

Antes que alguém possa começar a pensar que eu sou um sem-noção que deixa uma criança de 4 anos assistir "A Vingança dos Sith", explico que a pergunta veio depois de completarmos juntos o Episódio III do Lego Star Wars. Ou seja, sem sangue nem nada do gênero.

Mas voltando à pergunta, ela é interessante porque demonstra bem a fase pela qual ele está passando: até alguns meses atrás ele não tinha ainda preocupação com a noção de "mal". Não sei se é uma conseqüência de uma super-proteção que nós criamos em torno das crianças atualmente, mas o fato é que ele ficou genuinamente espantado quando começamos a ler contos dos Irmãos Grimm, onde existe a figura do antagonista, do inimigo do personagem principal, banido dos livrinhos infantis mais "modernos" (incluindo nesta categoria algumas imbecilidades homéricas como "Da pequena toupeira que queria saber quem tinha feito cocô na cabeça dela" - dá para acreditar que esse livro existe?).

Também não foi diferente quando, de repente, ele passou a se interessar por desenhos animados fora da bolha do Discovery Kids. Uma constante na maioria dos desenhos do Discovery Kids é justamente a completa ausência da imagem do mal, do inimigo (com a louvável exceção de "Lazy Town"), e foi interessante ver a reação dele quando assistiu aos primeiros desenhos do Pica-Pau com o Zeca Urubu.

Esse tipo de observação levanta uma questão maior bem interessante: as crianças já nascem com algum discernimento entre certo e errado, ou entre bem e mal? Ou seja, esta noção é inata ou é aprendida com a experiência?

Eu costumava achar que não, até o Leo nascer. Minha opinião seguia a linha da Tabula Rasa de John 
Locke, que diz que não existiriam idéias inatas. Entretanto, conforme você observa uma criança pequena se desenvolvendo, fica nítido que elas têm, sim, uma noção bastante clara de certo e errado, de empatia e moral, desde o início, mesmo que a noção de Mal com M maiúsculo, ainda não esteja presente.

No caso da empatia existe, por exemplo, um estudo interessante conduzido por um pesquisador chamado Felix Warneke da universidade de Harvard e comentado pela filósofa e professora de psicologia Alison Gopnik numa entrevista sobre seu livro "The Philosophical Baby" , que observou o seguinte (numa tradução livre):

"Por volta dos 15 meses há evidências de que os bebês tentam ativamente fazer outras pessoas felizes (...). O que Felix Warneke fez foi mostrar a crianças de 15 meses uma pessoa jogando um lápis no chão ou derrubando acidentalmente um lápis no chão. Em ambos os casos, o lápis caía em um local em que a pessoa não conseguiria alcançá-lo. O que se descobriu foi que as crianças engatinhavam e se esforçavam para pegar o lápis e devolvê-lo à pessoa se ele houvesse sido derrubado "acidentalmente", mas não se ele tivesse sido deliberadamente jogado ao chão, como se o adulto não o quisesse."

Ok. Então existe pelo menos uma indicação de que realmente nascemos com alguma capacidade para empatia. Mas e com relação à questão mais complexa da moral? Novamente, quem tem filhos certamente já notou a capacidade de crianças pequenas, de 3 anos ou menos, de saber com clareza o que é certo ou errado em uma situação ou até mesmo de sentir remorso quando agem de forma errada propositalmente. Então as crianças já nascem com algum sentido moral? Existe alguma base moral universal?

O professor John Mikhail da universidade de Georgetown acredita que sim, que crianças com 4 ou 5 anos já são "advogados intuitivos" e conseguem realizar julgamentos com base em conceitos surpreendentemente complexos, como o de "intenção", que é algo que não apenas os adultos consideram em seus julgamentos, mas também os sistemas legais levam em conta. Como demonstração da universalidade de um conceito a que batizou de Gramática Moral e que corresponderia a esta base moral universal, Mikhail citou o seguinte exemplo em uma entrevista ao programa Philosophy Bites (também em uma tradução livre):

"É frequente o caso em que a pessoa sabe o que é a coisa certa a vez em uma determinada situação, mesmo que jamais tenha se deparado com esta situação específica (...). As pessoas podem ter a ilusão de que o julgamento moral é produzido pela aplicação consciente de regras e princípios, mas não parecer ser o caso na maior parte das situações. Nós não temos consciência clara das regras e princípios usados ao fazer julgamentos morais (...). É o caso em exemplos chamados "problemas do bonde", dilemas morais apresentados a pessoas que podem ser até bizarros ou inverossímeis, mas que levam a um resultado surpreendentemente homogêneo, ao redor do mundo, sobre qual seria a conduta aceitável em uma dada situação (...):

[No primeiro exemplo] há um bonde desgovernado que está para atropelar e matar cinco pessoas em uma plataforma e há um observador próximo a uma chave que pode desviar o bonde para uma linha secundária onde há uma pessoa que será atropelada e morta caso o bonde seja desviado. A questão moral é: é aceitável desviar o bonde neste caso? (...) A grande maioria das pessoas ages de forma utilitarista e concorda que sim, é aceitável acionar a chave (...).
O segundo exemplo é o caso de um cirurgião que precisa decidir se corta e remove cinco órgãos de uma pessoa saudável para salvar cinco pessoas doentes. Seria aceitável proceder desta maneira se a pessoa saudável não deu seu consentimento? Ou num exemplo mais próximo ao do bonde: imagine agora que o bonde está seguindo desgovernado em direção ao grupo de cinco pessoas e que a única maneira de salvá-los seria o observador jogar uma pessoa pesada nos trilhos para pará-lo. Isso seria uma conduta aceitável? Ocorre que a imensa maioria das pessoas, neste segundo caso acha a decisão inaceitável.

A explicação deste comportamento estaria no que chamo de Gramática Moral (...)"

Ou seja, pessoas com diferentes formações, de diferentes culturas, baseiam-se em regras e parâmetros iguais, mas dos quais não estão plenamente conscientes, para tomar decisões que acham inclusive difíceis de explicar e que seriam conceitos inatos.

Não sei se outros pais concordam comigo, mas olhando o comportamento de nossos filhos e tendo contato com o tipo de conceito apresentado acima, eu acredito que as crianças nascem, sim, com parâmetros morais e uma enorme capacidade para empatia e que é nossa responsabilidade fazer com que se desenvolvam corretamente. Mesmo que tenhamos certeza de que, apresentados ao segundo exemplo do bonde, jogaríamos o Sr. Ricardo Teixeira nos trilhos sem pestanejar.

sábado, 2 de julho de 2011

Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil

O primeiro comentário da contra-capa do "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" (Leandro Narloch - Editora Leya), é de Luiz Felipe Pondé, da Folha de São Paulo e autor de "Contra um Mundo Melhor", que mencionei aqui uns meses atrás:

"(...) Uma singular heresia perdida em meio ao mar de unanimidades".

Apesar do fato do livro de Pondé ser da mesma editora, o que poderia desqualificar o comentário, ele é verdadeiro. O livro é mesmo uma heresia contra um monte de coisas que foram enfiadas nas nossas cabeças desde o primário e tenta desmontar vários "fatos históricos" que damos por verdades incontestáveis, da atuação brasileira na Guerra do Paraguai à invenção do avião.

É, principalmente, um livro de história rebelde e sem o irritante viés social-esquerdista que 99 de cada 100 professores de história têm. Além disso, tem o mérito de permanecer já há 74 semanas na lista dos 10 livros de não-ficção mais vendidos da Veja e há 55 na do Estado de São Paulo.

Para ser sincero, acho que concentra demais as referências bibliográficas de alguns capítulos em poucos autores, o que enfraquece algumas teses, mas a construção da defesa de seus pontos de vista é boa e os artigos são muito interessantes e bem-humorados.

Vale a pena, seja para acumular assunto para o próximo happy-hour, seja para irritar a sua sogra professora de história ou socióloga no próximo almoço de domingo (o que não é o meu caso, diga-se de passagem).