sexta-feira, 13 de novembro de 2009

E o Kindle chegou ao Brasil...

Demorou, custou caro, enroscou na alfândega, mas chegou. Recebi esta semana o meu Kindle.

Ele demorou bem mais que o prazo de 3 dias informado pela Amazon, mas é difícil culpá-los pelo atraso. Ocorre que a Receita Federal exige que o CPF do importador esteja indicado na documentação da aduana, mas a Amazon ainda não se tocou deste detalhe e não pergunta o número no momento da compra. O resultado foi que ele chegou ao Brasil em 2 dias e ficou mais uns 7 na alfândega, até a DHL conseguir me localizar, pegar o CPF e complementar a documentação.

De qualquer modo, o que importa é que chegou e é DEMAIS! Vamos ao que interessa:

A tecnologia de exibição de imagem (a tal "digital ink") não tem nada a ver com o que estamos acostumados em termos de telas de computador. Não é um LCD nem LED. Os pixels simplesmente ficam brancos ou pretos, sem iluminação por trás, o que faz com que a sensação seja, realmente, de ler um texto em papel. Além disso, praticamente não reflete a luz, dando para ler mesmo com sol forte, e não consome energia com a exibição da imagem, o que significa que a vida da bateria é bem longa (semanas, até, dependendo do uso). A resolução da tela de 6" é boa e permite a exibição de figuras de forma bastante aceitável. É bem leve e bem fino.

Assim que o Kindle embarcou da Amazon, já estava registrado em meu nome e associado à minha conta e número de cartão de crédito. Foi só carregar a bateria por cerca de 3 horas e ligar para que ele já tivesse acesso à rede Whispernet da Amazon, através de uma conexão 3G de celular. Aqui eu comecei a ver que o Jeff Bezos levou mesmo a sério o princípio de tornar o Kindle o mais "invisível" possível para o usuário: ele não pergunta em qual rede você quer se conectar, ele não cobra nada pela conexão, ele nem pergunta se você quer ligar a antena. Ligou, está conectado. Aí é só clicar um botão para entrar na loja de livros da Amazon e fazer um download.

A compra dos livros é bastante direta: escolha o livro e diga com qual dos seus cartões de crédito, já cadastrados na Amazon, quer pagar. Em menos de um minuto ele já fica disponível.

O Kindle tem ainda algumas funções bem interessantes:

- Text-to-Speech: Se quiser, ele pode ler em voz alta o livro para você. Tanto através de fones de ouvido quanto pelos auto-falantes embutidos;
- Inclui um dicionário Oxford inglês-inglês, bastando colocar o cursor sobre uma palavra para que a definição apareça no rodapé;
- Permite anotações e bookmarks;
- Permite consulta à Wikipedia através da Whispernet (nos EUA também permite navegação web básica, mas aqui a função está bloqueada);
- Caso a memória fique cheia (o que exige um bom investimento em livros para acontecer), você pode arquivar os livros comprados no site da Amazon e baixar novamente quando quiser.

O formato dos livros é proprietário e o Kindle não reconhece PDF e DOC, por exemplo, mas há um serviço de conversão gratuito. Basta enviar um e-mail com o arquivo PDF ou DOC para a Amazon e eles devolvem o arquivo convertido para o formato do Kindle no seu e-mail. Caso você prefira receber direto no Kindle, é cobrada uma taxa.

É possível assinar livros e revistas, mas achei caro. Uma assinatura do "Globo", por exemplo, sai por US$ 15,99 por mês. As edições são enviadas diariamente para o Kindle, através da Whispernet.

Não espere um monte de acessórios e documentação: ele vem peladão, apenas com o cabo USB, um adaptador para tomada e um folhetinho de primeiros passos. A Amazon não manda nem uma capinha, mas existem opções à venda no site. Não comprei, mas deveria ter comprado.

Finalmente, o preço da brincadeira é de US$ 259,00 + US$ 20,98 de Shipping & Handling + US$ 266,32 de impostos. Não tem choro e só vende na Amazon mesmo. Nem adianta procurar no Stand Center.

Os livros, apenas em inglês, são vendidos pelo preço indicado no site sem nenhum acréscimo de impostos. Como exemplo, comprei o "Without remorse" do Tom Clancy por US$ 8,39. Agora é só torcer para nenhum deputado genial resolver inventar uma forma de taxar o negócio para "proteger o mercado nacional"...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

O beijo e outras histórias

Há alguns meses eu li um livro chamado "Para ler como um escritor", de Francine Prose. Não vou entrar em detalhes sobre ele agora, mas basicamente o livro apresenta conceitos de escrita através de exemplos de textos de escritores consagrados. Dentre os exemplos usados, aparecem vários textos de Tchekhov, indicado no livro com o um dos melhores escritores de contos da história.

Como nunca tinha lido nada de Tchekhov até então, resolvi comprar uma seleção de contos e adquiri "O beijo e outras histórias", da Editora 34 (tradução de Boris Schaiderman). É um conjunto de seis contos:

- O beijo
- Kastchtanka
- Viérotchka
- Uma crise
- Uma história enfadonha
- Enfermaria n. 6

São sensacionais. Não apenas pelos enredos e pelas personagens, mas pela clareza e pela facilidade com que Tchekhov entra na cabeça das pessoas e descreve com enorme precisão situações e sentimentos, expressando, em palavras, pensamentos que você acreditava serem só seus e apresentando pessoas que você tem certeza de que já conheceu.

Eu estava iniciando a leitura de "Enfermaria n. 6" no dia em que o helicóptero da polícia foi abatido no Rio de Janeiro. Em meio a toda a comoção com a tragédia, quando passa pela cabeça do cidadão o desejo da resposta violenta justificada, eis o que me aparece no texto de Tchekhov: "...E não será ridículo cogitar de justiça, quando toda violência é recebida pela sociedade como uma necessidade razoável e oportuna, e quando todo ato de piedade, por exemplo, uma sentença absolutória, provoca uma verdadeira explosão de sentimento de vingança insatitsfeito?". Faz pensar.

E que estudante universitário nunca encontrou pela frente um Professor Nicolai Stiepânovitch ("Uma história enfadonha"), ao qual precisou pedir uma nota a mais para ser aprovado no curso e recebeu uma resposta do tipo: "- A meu ver, o melhor que tem a fazer agora é deixar de uma vez a Faculdade de Medicina. Se, com a sua capacidade, não consegue passar no exame, provavelmente não tem nem vontade nem vocação para ser médico". Melhor estilo Giacaglia ou Clemente Greco, para quem sabe do que estou falando.

É muito fácil identificar e identificar-se com as personagens de Tchekhov e isso, somado à profundidade das reflexões que apresenta, tornam a leitura extremamente prazerosa e recompensadora.

É também fácil relacionar Tchekhov a Machado de Assis. São praticamente contemporâneos e possuem estilos parecidos, pelo menos para mim, que sou absolutamente leigo em ambos. Acontece que havia lido, ainda no 1o semestre, uma coletânea de Machado ("Melhores Contos"), e não há como não ver, por exemplo, semelhança óbvia entre "O alienista" e a "Enfermaria n. 6", mesmo que não haja possibilidade do texto de Machado, escrito 10 anos antes, ter influenciado Tchekhov (como é afirmado no apêndice).

Tchekhov era médico, muito interessado em psiquiatria, mas igualmente obcecado pela Justiça. Pelo menos uma das obsessões acaba aparecendo em cada conto, o que sempre acaba conferindo-lhes uma dimensão mais profunda e mantendo a atualidade e a relevância dos textos.

Para quem não acredita ser possível encontrar profundidade em contos curtos, que podem ser lidos em uma noite, é a cura. E não é por serem profundos, que os contos são pesados ou difíceis. Repito: nunca tinha lido nada dele, mas a surpresa foi excelente.

OBS - Para um bom texto sobre o "Para ler como um escritor", você pode acessar o blog "Libru Lumen", em: http://www.jefferson.blog.br/2008/05/para-ler-como-um-escritor-de-francine.html