domingo, 22 de junho de 2014

Num Estado livre

“Num Estado livre”, do prêmio Nobel de literatura V.S. Naipaul (Companhia das Letras, 2013), é um livro de 1971 que apresenta três histórias curtas, todas focadas no tema de expatriados e imigrantes e suas dificuldades em terras estrangeiras. Em tempos de polêmica com a imigração de haitianos para o Brasil, deslocamentos em massa no Oriente Médio e xenofobia crescente em alguns países da Europa (como na Suíça), é uma leitura bem interessante. Até para lembrar o Dia Internacional do Refugiado, comemorado no dia 20 de junho. 




A primeira delas (“Um entre muitos”), se passa em 1968 e gira em torno de um empregado doméstico indiano (Santosh), que trabalha para um funcionário do governo em Bombaim. Quando seu patrão é transferido para Washington, Santosh implora para ser levado junto, apesar de todos os conselhos em contrário. A partir daí se inicia a trajetória de angústia de Santosh, desde o primeiro choque cultural no avião (que é uma das melhores cenas do texto), passando por sua chegada a Washington, sua “fuga” do patrão e a sua experiência nos conflitos de rua deflagrados com o assassinato de Martin Luther King. 

Para quem já esteve na Índia, a experiência de ver os EUA pelos olhos de Santosh é incrível. Eu estive lá em 2012 e, se o contraste entre um Brasil de 3º mundo nos dias de hoje já foi chocante, imagino como seria em 68, com a capital americana. Algumas sutilezas importantes como a relação entre castas e entre patrão e empregado, a interação (ou falta dela) com sua família e a influência da religião no comportamento de Santosh interferem delicadamente na história e dão um realismo extraordinário ao relato, fazendo com que esta seja a melhor das três do livro, em minha opinião. 

A segunda (“Diga quem tenho de matar”), acontece em 54 ou 55 na Inglaterra e narra a experiência de um homem de origem indefinida, que emigra para Londres com o objetivo de ajudar seu irmão mais novo que havia partido algum tempo antes para estudar em uma faculdade inglesa. Fanático por cinema, ele abre um pequeno restaurante e passa a trabalhar em turno duplo, tentando ajudar seu irmão a realizar o sonho de tornar-se engenheiro, mas é lentamente tomado por uma obsessão assassina. Interessante, mas a mais fraca das três. 

A terceira (“Num Estado livre”), é a mais longa delas e relata a viagem de carro de um funcionário público gay de origem inglesa (em tempos pré-AIDS) e a esposa de um diplomata, entre duas cidades de um país africano durante uma guerra civil tribal iniciada após a sua independência. A princípio julguei tratar-se do Quênia, mas alguns detalhes de geografia e história tornam esta hipótese improvável (longe demais da África do Sul). É mais possível que se trate de Botsuana, Ruanda ou Zimbábue em formação. A tensão entre os dois personagens e o clima progressivamente perigoso e opressivo são os pontos fortes do texto, mas é a subentendida arrogância inglesa de ex-metrópole e a sensação de que “a ficha ainda não caiu” para eles, que chamam a atenção. 

O livro inclui ainda um prólogo e um epílogo menores, mas interessantes. No geral, não é imperdível, mas é uma boa leitura e, por ser composto de histórias curtas, pode ser apreciado em doses homeopáticas. Recomendo.

domingo, 1 de junho de 2014

Rápido e Devagar

Uma das coisas boas do programa Fim de Expediente da Rádio CBN, são as dicas de livros que os apresentadores dão. Em um dos episódios foi indicado com bastante ênfase o livro de Daniel Kahneman “Rápido e Devagar” (Editora Objetiva, 2011), e resolvi comprar. 



Para começo de conversa, não se trata de um livro de auto-ajuda ou de técnicas de gestão revolucionárias como os que transbordam pelas prateleiras das livrarias por aí – é especificamente sobre o processo de tomada de decisões e Daniel Kahneman recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2002 pelo trabalho que resume neste livro. 

Combinando estatística e psicologia, Kahneman combina os resultados de estudos desenvolvidos com especialistas e pesquisadores de diversas universidades e áreas de concentração ao longo de sua carreira e apresenta uma obra de fácil compreensão e extremamente eficiente no que se propõe a fazer: demolir a nossa fantasia de que somos racionais ou equilibrados em nossas tomadas de decisões e apresentar uma nova visão sobre como a nossa mente funciona. 

Kahmeman divide nossa mente em dois “eus” fictícios: o Sistema 1, intuitivo e que exerce o pensamento rápido e o preguiçoso Sistema 2, que executa o pensamento lento, monitora o Sistema 1 e tenta manter o controle da melhor forma possível. Um exemplo de como trata esta separação pode ser visto no problema abaixo, extraído do livro. Não tente resolver o problema, apenas dê ouvidos à sua intuição: 

- Um bastão e uma bola custam 1,10 dólar. 
- O bastão custa um dólar a mais que a bola. 
- Quanto custa a bola? 

Um número veio à sua cabeça. O número, claro, é dez: 10 centavos. A marca distintiva deste problema simples é que ele evoca uma resposta que é intuitiva, atraente e errada. Faça as contas e veja por si mesmo. Se a bola custa 10 centavos, então o custo total será de 1,20 dólar (10 centavos pela bola e 1,10 pelo bastão), não 1,10 dólar. A resposta correta é 5 centavos. É seguro presumir que a resposta intuitiva também veio à mente dos que terminaram como o número correto – eles de algum modo deram um jeito de resistir à intuição. 

Na terminologia do texto, o Sistema 1 lhe fornece a resposta intuitiva e imediata para a pergunta (10 centavos), mas se você não se esforçar para checar ativamente se a resposta está correta, o seu Sistema 2 (responsável por monitorar as sugestões do Sistema 1), vai assumir uma postura “preguiçosa” e endossar a resposta como certa. O mais interessante é que, se você respondeu 10 centavos, decidiu ignorar o fato óbvio de que esse problema não teria sido apresentado se a resposta fosse tão imediata. Ou seja, respondeu sem parar para pensar, mesmo sabendo que a resposta não deveria ser esta. 

A quantidade de insights valiosos sobre o processo decisório que são apresentados ao longo do texto é enorme e são todos embasados por pesquisas sérias. Surpreende a cada capítulo e é extremamente interessante, apresentando casos práticos aplicados em diversas áreas como gestão de empresas, investimentos, educação e políticas públicas. 

Mesmo para quem não atue profissionalmente com planejamento estratégico ou não tenha uma atividade que envolva tomada de decisões, é uma ferramenta fundamental para a compreensão de processos que ocorrem de maneira inconsciente (e em grande medida de maneira incontrolável) em nossas mentes. Ainda que esta compreensão não nos impeça de tomar decisões erradas ou irracionais, pelo menos ajudará a identificar os momentos importantes em que se deve analisar escolhas precipitadas com mais cautela e, assim, evitar algumas grandes besteiras.