quinta-feira, 16 de julho de 2015

A Submissão

Em tempos de um Brasil dividido e de opiniões polarizadas, fica extraordinariamente fácil sentir o ambiente criado por Amy Waldman em “A Submissão” (Fundamento, 2013). Publicado nos EUA em 2011, 10 anos após o ataque às torres gêmeas, o livro é uma ficção em torno do processo de seleção do memorial às vítimas do ataque. Conduzido às cegas por uma comissão, o concurso tem no livro um desfecho absolutamente imprevisto ao ser escolhido como vencedor o projeto do arquiteto muçulmano Mohammad Khan. 




Enquanto a comissão discute em sigilo a conveniência e o impacto de anunciar um muçulmano como vencedor e debate sobre a moralidade de alterar o resultado, o nome de Khan vaza e uma disputa inflamada entre apoiadores e opositores do projeto se inicia e espalha pelos EUA e pelos países muçulmanos. Jogado no meio do tumulto generalizado causado por sua vitória e obcecado em defender seu projeto e resguardar seu direito de não discutir a origem de sua inspiração, Khan vai gradualmente vendo sua vida ser exposta e suas motivações deturpadas, enquanto movimentos e ações de intolerância se intensificam de ambos os lados. 

Estão todos presentes e envolvidos na polêmica: familiares das vítimas, repórteres sem escrúpulos, políticos oportunistas, artistas egocêntricos, ativistas de extrema direita, ativistas de direitos humanos, imigrantes legais e ilegais, liberais e conservadores. Waldman navega entre os argumentos e pontos de vista de cada um com notável isenção e elegância e costura um enredo elaborado, convincente e emocionante. 

Ex-jornalista do New York Times, um dos pontos fortes de Waldman está também na forma como elabora as manchetes, entrevistas, reportagens e editoriais fictícios dos diversos meios de comunicação americanos, desde a direita à la Fox News até a liberal New Yorker, cada um deles sutilmente (ou nem tão sutilmente assim), moldando e ajustando os fatos e declarações à sua linha editorial. 

É um livro excelente, que acumulou uma grande variedade de prêmios e que merece sem dúvida ser lido. Dentro do cenário brasileiro atual é praticamente impossível, ao lê-lo, deixar de imaginar o nível de baixaria que dominaria o debate a respeito de um tema tão polêmico em nossas redes pseudo-sociais...

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