sábado, 12 de novembro de 2011

A Revolta de Atlas

No ano passado eu li uma crítica curiosa do Sérgio Augusto no Estadão sobre o livro "A Revolta de Atlas" de Ayn Rand (http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-titas-da-america,622626,0.html). A posição dele com relação ao livro fica bem clara no texto, mas pode ser resumida na frase:

" De todo modo, eu me pergunto: quem irá comprar e ler por inteiro A Revolta de Atlas?"

 


Ayn Rand é o pseudônimo da escritora e filósofa Alissa Zinovievna Rosenbaum, nascida na Rússia em 1905 e uma defensora do Objetivismo. Se você não faz ideia do que seja Objetivismo (assim como eu também não fazia), tem duas opções: ler "A Revolta de Atlas" ou ler o resumo da ética objetivista abaixo. Sim, eu peguei na Wikipedia, mas que posso garantir que resume bem os princípios apresentados no livro:

"O ser humano, cada um, é um fim em si mesmo e não um meio para o fim de outros humanos. Deve existir em função de seus póprios propósitos, não se sacrificando por outros nem sacrificando outros por ele.
  • A primeira escolha de todo ser é a existência ou a não-existência e, por isto, a vida do ser humano é o seu padrão moral de vida. Sem ela, nenhum outro valor é possível.
  • A racionalidade é a maior virtude; todas as outras derivam dela.
  • Outras virtudes: produtividade, justiça, orgulho, independência, integridade, honestidade, benevolência."

É uma filosofia, no mínimo, diferente do que se costuma discutir hoje em dia e o livro foi um tremendo best-seller nos EUA. Também foi o caso de seu outro livro: "A Nascente" , que segundo Lisa Simpson, é "a bíblia dos perdedores de direita" - veja em http://www.youtube.com/watch?v=legAtFan7DI).

Bom, mas com tanta gente cornetando, resolvi encarar. São 1.231 páginas em 3 volumes e não é lá o livro mais divertido do mundo, mas queria saber porque atraía raiva e comentários ácidos.

A história se passa numa distopia em uma época indefinida, próxima dos anos 50, em que os EUA e todas as demais nações do mundo estão controladas por governos socialistas (repúblicas populares, na terminologia do livro) e que a economia mundial está indo pelo ralo. Os governos corruptos, formados por pessoas medíocres, intervém em tudo e cavam buracos cada vez mais fundos, com políticas populistas e assistencialistas. Neste contexto, os principais industriais, artistas, cientistas e empresários (os "Atlas" do título), começam a se rebelar e desaparecer sem deixar pistas, largando seus trabalhos e negócios para trás, para serem geridos por quem quiser assumi-los, da forma que acharem melhor.

É este movimento que explica a metáfora do título original do livro "Atlas Shrugged": os que carregam o mundo nas costas resolvem "dar de ombros" e se mandam.

É um livro radical de direita mesmo, com diversos conceitos que soam totalmente bizarros hoje em dia, mas com alguns que são bastante pertinentes e racionais. Está longe de ser uma obra inútil como eu havia sido induzido a imaginar e leva a várias reflexões interessantes, especialmente no que se refere ao conflito entre o Estado e a iniciativa privada, como ressaltado pelo Sr. Jorge Gerdau Johannpeter em seu comentário na primeira página.

Vão abaixo alguns trechos que selecionei:

- Sobre a corrupção: "Observe o dinheiro: ele é o barômetro da virtude uma sociedade. Quando há comércio não por consentimento, mas por compulsão, quando para se produzir é necessário pedir permissão a homens que nada produzem - quando o dinheiro flui para aqueles que não vendem produtos, mas têm influência -, quando os homens enriquecem mais pelo suborno e pelos favores do que pelo trabalho, e as leis não protegem quem produz de quem rouba, mas quem rouba de quem produz - quando a corrupção é recompensada e a honestidade vira sacrifício -, pode ter certeza de que a sociedade está condenada."

- Sobre governantes e leis (em um diálogo entre um burocrata corrupto e um empresário honesto, durante uma chantagem): "- O senhor realmente pensava que a gente queria que essas leis fossem observadas? (...) Nós QUEREMOS que sejam desrespeitadas. É melhor o senhor entender direitinho que não somos escoteiros, não vivemos numa época de gestos nobres. Queremos é poder e estamos jogando para valer. Vocês estão jogando de brincadeira, mas nós sabemos como é que se joga o jogo, e é melhor o senhor aprender. É impossível governar homens honestos. O único poder que qualquer governo tem é o de reprimir criminosos. Bem, então, se não temos criminosos o bastante, o jeito é criá-los. E fazer leis que proíbem tanta coisa que se torna impossível viver sem violar alguma. Quem vai querer um país cheio de cidadãos que respeitam as leis? O que se vai ganhar com isso? Mas basta criar leis que não podem ser cumpridas nem objetivamente interpretadas, leis que é impossível fazer com que sejam cumpridas a rigor, e pronto! Temos um país repleto de pessoas que violam a lei, e então é só faturar em cima dos culpados. O sistema é esse, Sr. Rearden, são essas as regras do jogo. E, assim que aprendê-las, vai ser muito mais fácil lidar com o senhor."

Esclarecedor, não?

- Sobre a "luta de classes": "Quando vocês trabalham numa fábrica moderna, são pagos não apenas pelo seu trabalho, mas também por toda a genialidade produtiva que tornou possível aquela fábrica: pelo trabalho do industrial que a construiu, pelo do investidor que economizou dinheiro para arriscá-lo num empreendimento novo, pelo do engenheiro que projetou as máquinas que vocês estão operando, pelo do inventor que criou o bem que vocês produzem no seu trabalho, pelo do cientista que descobriu as leis envolvidas na produção desse bem, pelo do filósofo que ensinou os homens a pensar - por tudo aquilo que vocês vivem criticando."

- Sobre a humildade: "Joguem fora os trapos que protegem o vício a que vocês chamam virtude: a humildade. Aprendam a valorizar-se a si próprios, ou seja, a lutar pela sua felicidade. E, quando tiverem aprendido que o ORGULHO é a soma de todas as virtudes, vocês aprenderão a viver como homens."

- Sobre o amor: "O homem que está convicto de seu próprio valor e dele se orgulha há de querer o tipo mais elevado de mulher possível, a mulher que ele admira, a mais forte, a mais difícil de conquistar, porque somente a posse de uma heroína lhe dará a consciência de ter realizado algo, não apenas de ter possuído uma vagabunda desprovida de inteligência".

Eu poderia colocar mais alguns trechos aqui, mas acredito que já tenha sido possível apresentar as linhas gerais do texto com estes. É um livro bem estranho e muito difícil decidir se recomendo ou não. Tem um enredo até interessante. Com personagens caricatos ao extremo e com muitos trechos difíceis de engolir, é verdade. Mas não deixa de ser interessante.

E se você acha que estou exagerando com "trechos duros de engolir", veja a descrição bisonha de um dos personagens principais:

"Olhava para o rosto de um homem que se ajoelhara a seu lado e sabia que, em todos aqueles anos, era isto que teria dado sua vida para ver: um rosto sem sinal de dor, nem medo nem, culpa. Na forma de sua boca havia orgulho, e mais: era como se ele se orgulhasse de ser orgulhoso. As linhas angulosas de suas faces a faziam pensar em arrogância, tensão, zombaria. No entanto, o rosto não exprimia nada disso, apenas o produto final desses fatores: um olhar de determinação serena e de certeza, de uma inocência implacável, que jamais pediria nem concederia perdão. (...) Sua pele estava queimada de sol e em seu corpo havia a dureza, a força esguia e elástica e a precisão limpa de uma fundição, como se ele fosse de metal fundido, porém um metal de brilho fraco, como uma liga de cobre e alumínio."

É de doer, não é? Às vezes dá a impressão de que a Sra. Rand devia ser doida de pedra. Mas se você tiver paciência e souber pular esses pedaços, acho que posso, sim, recomendar. Mas não venha reclamar depois. Você já sabe no que está se metendo.

6 comentários:

  1. Eu tava lendo "guia politicamente incorreto da filosofia" e o autor, Pondé, indica esse livro como uma distopia reveladora. Exalta bastante a autora e fiquei curiosa pra saber o que haveria de tão peculiar nesse livro. Acho que agora entendi. Obg pela "resenha". Vou comprar o livro e tirar minhas próprias conclusões.

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  2. Eu estou no último tomo do livro. E o meu interesse por ele veio muito antes de saber qualquer coisa sobre a autora e o que ela defendia. Me pareceu um livro interessante e decidi que o leria. A promoção do Submarino deu um empurãozinho nisso.

    Mas, como me dei conta, o livro chega a ser interessante, por nos fazer imaginar o que é um conto de fadas capitalista e racional. E, acho que se torna mais interessante ainda, o como a ideia de racional é transmitida pela ideia do sexo. Parece que o único sentimento possível é o tesão.

    Os heróis são sujeitos superpotentes que precisam extravasar sua sede de prazer no ato da criação e do trabalho. É uma ideia bonita, mas apenas, no conto de fadas criado pela Rand. Tanto é que a espera pelo príncipe encantado está lá.

    Segundo ela, todos os gênios do mundo são capitalistas e incorruptíveis. Então?!?!

    Abraços!

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    1. Estou no último livro e sinceramente não me parece o mesmo livro que você está lendo... Como a obra introduz a ideia do individualismo da própria autora, ela fala de vários aspectos da vida das pessoas como viver em sociedade, o trabalho, o orgulho de ser competente e naturalmente o sexo, mas não há essa coisa de tudo se resumir ao sexo que o senhor está vendo... e tenha em mente que no mundo que vivemos e principalmente nessa cleptocracia que reina no Brasil, é impossível imaginar um gênio incorruptível, pois nos corrompemos todos os dias, a ideologia do país é basicamente de que sempre devemos conquistar mais com o menor esforço possível, ser o esperto. Natural que ache que todos os gênios que ela descreve não passam de uma fantasia ou mesmo uma hipocrisia da autora tendo assimilado a vida toda que não compensa ser honesto ou mesmo que sendo honesto somos penalizados.

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    2. Olá, Rossi.

      Se você não conseguiu perceber a tensão erótica que perpassa o livro, seria bom reler o livro. Esse aspecto é um ponto importante para a compreensão de toda a narrativa. Caso não tenha percebido, as cenas de sexo pontuam os processos internos dos personagens principais. A relação entre Dany Tagart e Rack Rearden é extremamente esclarecedora do mundo interno desses personagens, que se entregam ao sexo como válvula de escape ao mundo incompetente e impotente em que vivem. Não é à toa que a relação entre os dois termina quando John Galt entra em cena. Afinal, só alguém extremamente potente/capaz seria capaz de conquistar o sentimento de Dany Tagart. Lembre da esposa de Rearden e de como ela desja que o marido a deseje, mas como ela representa um mundo corrompido, Rearden não tem tesão por ela.Podemos dizer que o tesão é o sentimento mais importante no livro. O desejo erótico se confunde com o desejo de criação e criatividade.

      Quanto a cleptocrafia que você afirma ser o Brasil, garanto que ela não tem nada a ver com a minha formação de leitor ou como pessoa. E não é essa cleptocracia que me impede de aceitar heróis incorruptíveis, mas a incongruência de um texto que busca construir uma crítica contundente ao governo por meio de um "conto de fadas". O maniqueísmo presente, que deixa todos os persoangens com a profundidade de uma piscina rasa, impede que Rand construa um texto que leve o leitor a pensar. Ela quer tanto convencer que as coisas são do modo como ela vê, que não permite ao leitor consturir inferências, mas dá de mão beijada toda uma estrutura social falida e uma utopia (o Vale Galt) pronta pra entrar em ação. Além daquele longo e chato discurso do John Galt no último volume. Como boa parte dos críticos literários afirmam, o que faltou ao A Revolta de Atlas foi a mão de um bom editor.

      Aliás, seria muito bom que você revisse o seu comentário, pois afimar que eu ache natural ou hipocrisia da autora os gênios incorruptíveis, por ter assimilado a vida toda que não compensa ser honesto ou mesmo que sendo honesto somos penalizados é bastante agressivo e desagradável de sua parte. Não sei qual a sua intenção, mas ao afirmar que meu julgamento é afetado por essa ideologia que você afirmar dominar o Brasil, você automaticamente me chamou de desonesto. Espero que tenha sido eu que não compreendi o que o senhor quis dizer.

      Saudações

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  3. Estou no meio do tomo II, e considerando a situação atual do nosso País, acredito que a leitura é sim ineteressante , a despeito das partes "romanceadas".

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  4. Pessoal, peço desculpas pela demora na publicação dos comentários - os e-mails da ferramenta de moderação do blog estavam caindo na minha caixa de spam e acabei demorando para vê-los e liberá-los. Abraços a todos e obrigados pelos comentários.

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