Em 1933, durante a depressão que se abatia sobre os Estados
Unidos, Franklin Roosevelt viu-se com a missão de designar um novo embaixador
para Berlim. Em tempos normais seria uma tarefa simples, mas eram tempos da
ascensão de Adolf Hitler, recém-nomeado chanceler.
Com dificuldade em conseguir um candidato adequado e disposto
entre os diplomatas de carreira, Roosevelt acabou por aceitar a sugestão de seu
secretário de Comércio e indicou para o
cargo William E. Dodd, um professor universitário de história de classe média
de 67 anos, fluente em alemão, conhecedor do país, mas sem qualquer relevância
política.
Os registros da passagem de Dodd pela embaixada em Berlim
entre 1933 e 1938 foram compilados pelo jornalista e escritor Erik Larson e deram
origem a "No Jardim das Feras" (Intrínseca, 2012). O livro descreve a
transformação da Alemanha neste período sob a ótica da família Dodd que, dada
sua posição, teve contato próximo com os representantes de outros países,
membros da imprensa, altos funcionários do regime nazista, líderes da
diplomacia americana e figuras sinistras como Goebbels, Göring e Hitler.
Não é uma obra de consulta ou uma simples compilação de
documentos. O texto é apresentado em forma de romance e é de leitura fácil e
fluida, concentrando-se particularmente em acompanhar a vida da filha de Dodd,
Martha, que se envolveu em vários romances, tanto com membros do partido
nazista (como Rudolf Diels, chefe da Gestapo) como com um diplomata soviético
(Boris Winogradov).
Concentra-se principalmente no período compreendido entre
a chegada de Dodd na Alemanha em junho de 33 até a noite do grande expurgo
nazista de 30 de junho de 34, conhecida como a Noite das Facas Longas. O maior
mérito do livro, creio, seja a reconstituição do ambiente da época e sua capacidade
de demonstrar como o regime progressivamente opressivo de Hitler foi
gradualmente sufocando as oposições internas e dominando a sociedade pelo medo.
É muito interessante também para entender o contexto mundial
da ascensão do nazismo na Alemanha e de como o seu crescente belicismo e claras
tendências expansionistas puderam ser observados passivamente, praticamente sem
contestação, pelos demais países. É nítido o quase desespero de Dodd e alguns
(poucos) outros membros da embaixada em tentar fazer com que o governo
americano entendesse o que se passava na Alemanha e o enorme risco que representava
a postura isolacionista dos Estados Unidos (pesquisas da época indicavam que
95% dos americanos queriam que os Estados Unidos evitassem qualquer guerra
estrangeira).
A discrepância entre o que as pessoas viam de fora da Alemanha,
ou mesmo durante visitas rápidas ao país e o que era a realidade nada sutil,
mas só perceptível a quem efetivamente morasse por lá, acentuada pela eficiente
propaganda nazista e pelo desejo de isolamento dos EUA, faziam com que os
relatos e apelos de Dodd soassem paranoicos, ou no mínimo tendenciosos, a seus
superiores. Sua crescente frustração e a antipatia que despertava no restante
do corpo diplomático acabaram finalmente por tornar a sua posição insustentável
e ele deixou o posto em 1938. Ao retornar aos EUA em janeiro de 38, declarou:
"A humanidade
corre sério risco, e os governos democráticos parecem não ter ideia do que
fazer. Mas, se nada fizerem, a civilização ocidental, as liberdades religiosa,
pessoal e econômica estarão em grave perigo."
Como se sabe, nada foi feito. Em setembro de 1939, Hitler
invadiu a Polônia, iniciando assim a 2a Guerra Mundial.
"Em 18 de setembro,
Dodd escreveu a Roosevelt para dizer que a guerra poderia ter sido evitada se 'as
democracias da Europa' simplesmente tivessem agido em conjunto para deter Hitler,
como ele sempre insistira. 'Se tivessem cooperado', escreveu Dodd, 'teriam tido
êxito'. Agora é tarde demais.' "
Em tempos de crise na Ucrânia, causam calafrios algumas
semelhanças entre o que se via na omissão do mundo com relação à Alemanha em 33
e o que se vê hoje no comportamento com relação à Rússia. Como diz reportagem
na edição de 23 de julho de 2014 na revista Veja:
"Na semana
passada, enquanto o mundo assistia atônito ao aparecimento de uma prova atrás
de outra de que os russos tinham envolvimento direto na operação que matou
quase 300 passageiros inocentes, a taxa de aprovação de Putin batia seu recorde
histórico, com 83%. Adoração interna e desaprovação externa é uma receita
desastrosa. Os líderes que enveredam por esse caminho oferecem perigo a seu
povo e ao mundo. (...)
(...) Os Estados
Unidos e a Europa impuseram sanções econômicas para punir Putin pelo avanço à
margem da lei internacional. O efeito foi nulo.
O que farão de concreto agora que a responsabilidade de Moscou na derrubada do avião da Malaysia Airlines vai se tornando impossível de escamotear?"
O que farão de concreto agora que a responsabilidade de Moscou na derrubada do avião da Malaysia Airlines vai se tornando impossível de escamotear?"
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